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Flávia Roldan Viana
Flávia Roldan Viana
Fonoaudióloga
A construção dos conceitos matemáticos na educação de alunos surdos: o papel dos jogos no processo de ensino e aprendizagem
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Publicado em 2011
XIII Conferência InterAmericana de Educação Matemática, CIAEM-IACME, Recife, Brasil
Flávia Roldan Viana
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Resumo

O objetivo desse estudo incide em sistematizar ações pedagógicas atreladas às perspectivas de uma pedagogia visual, em suas interfaces com a educação de surdos, apresentando possibilidades da construção dos conceitos matemáticos com a utilização de jogos, favorecendo a aprendizagem por meio de aulas prazerosas, criativas, contextualizadas, e que respondam as necessidades específicas dos aprendizes, com o fim de investigar os significados das experiências visuais; Métodos: A pesquisa tem característica exploratória e qualitativa. Amostra composta de 08 alunos, faixa etária de 12 a 16 anos, em atendimento educacional especializado em um núcleo de Fortaleza. Resultados: Com a utilização de jogos foi possível facilitar a construção dos conceitos matemáticos, verificando um maior envolvimento destes com o conhecimento apresentado. Conclusões: O uso de recursos visuais propõe uma mudança significativa na prática dos educadores que pretendem, de fato, ensinar matemática para alunos surdos, pois investe na percepção visual, imprescindível para a sua aprendizagem.

Introdução

As políticas educacionais envolvendo alunos surdos, ao longo do tempo cristalizaram uma concepção de direitos à educação a limiares restritos. O acesso desigual desse alunado à escolaridade tem origem no diagnóstico tardio e na tendência neoliberal de uma política educacional inclusiva que reforça estigmas e concepções errôneas a respeito da surdez e da pessoa surda (MACHADO, 2008).

Nessa perspectiva Machado (2008, p.76) destaca ainda que:

na busca da padronização e homogeneidade para atender a essa ideologia, a escola tem pautado suas práticas pedagógicas em modelos teórico-metodológicos que sustentam uma visão linear e estática sobre o processo de ensino e aprendizagem do aluno, manifestando uma visível dificuldade em lidar com diferentes formas de aprender.

Apesar dos resultados positivos, às políticas educacionais referentes à Educação Especial, que nos dias atuais já faz parte do quadro da educação básica e do reconhecimento da língua de sinais como meio legal de comunicação e expressão das comunidades surdas (Lei N° 10.436/02), ainda se observa hodiernamente que a situação educacional dessa clientela é algo distante da realidade, visto que constitui um investimento a longo prazo, acrescentando-se ainda: i) ocorrência da inclusão sem buscar compreender e respeitar às necessidades individuais de cada aluno; ii) educadores com formação inadequada às necessidades específicas desse alunado; iii) propostas políticas generalizadas com foco no indivíduo portador de deficiência 1 e não como sujeito que possui uma experiência, uma língua, uma peculiaridade.

Acerca desse fato, Silva (2006) esclarece que:

no início deste século, os debates no campo educacional assumem os discursos da inclusão social, colocando-se em pauta a problematização desse tema com vistas a se propor uma escola que acolha a todos em suas diferenças. A educação, enquanto ciência precisa investigar o significado desses discursos e suas conseqüências na educação. Caso contrário, interpretações tendenciosas poderão apagar a luta histórica de grupos sociais que resistem à subserviência ideológica dominante.

Outro aspecto constitutivo desse processo é a tendência marcadamente assistencialista, que apontam, historicamente, para um fazer vocacionado, como um ato de fé (PERLIN & MIRANDA, 2003), facilmente identificável nas ações para alunos com Necessidades Educacionais Especiais.

Diante desse pressuposto, especificamente em relação, ao ensino de matemática, deve assumir novas concepções e ideologias socioantropológicas de educação para alunos surdos, levando em consideração o ensino bilíngue 2, a criatividade e a ludicidade.

Cumpre mencionar que incorporar ações pedagógicas à prática na educação para surdos exige mudanças conceituais, estruturais e atitudinais dos educadores, o que ainda constitui um desafio a ser enfrentado. O ensino para surdos precisa estar marcado por situações que privilegiem recursos visuais, experiências singulares e a interação entre docentes e discentes em detrimento de uma metodologia marcada por filosofias oralistas, que visa o aprendizado da língua oral (QUADROS & SCHMIEDT, 2006).

Estudos comprovam que para o aluno desejar aprender é preciso que ela tenha motivos, que desencadeiam aprendizagens e que não se dissociam de suas características motoras, afetivas e psicológicas (AQUINO, 2001). E no caso de alunos surdos a motivação deve partir de suas experiências visuais, artefato cultural das comunidades surdas (STROBEL, 2008).

Esta vertente é fruto de estudos que vêm sendo desenvolvidos por pesquisadores (PERLIN, 2003, & CAMPELLO, 2007) partindo do princípio básico de que a educação de qualidade deve ser oferecida a qualquer aluno, independente de suas características pessoais, proporcionando condições adequadas ao seu desenvolvimento físico, emocional, cognitivo e social, além de promover a ampliação do conhecimento mediante as experiências vividas, as quais permitem a construção evolutiva das estruturas lógicas do pensamento (VYGOTSKY, 1991).

Sendo assim, com o contexto delineado por essa multiplicidade de fatores, o processo de ensino e aprendizagem dos conceitos matemáticos, tendo em vista o alunado surdo, deve contar com a utilização significativa de variadas experiências visuais em diferentes sentidos pedagógicos.

Assim, tomando por objeto de estudo o caráter específico desse grupo enquanto desafios de contextualização e utilização da visualidade no ensino de surdos levantamos o problema científico da pesquisa que buscou responder a pergunta: Como a Pedagogia Visual contribui para o ensino de matemática de alunos surdos? Tem-se o intuito de realizar um debate claro, considerando a Pedagogia Visual como adequada ao universo do aluno surdo, uma vez que esta se ergue sobre os pilares da visualidade, ou seja, tem no signo visual seu maior aliado no processo de ensinar e aprender (CAMPELLO, 2007). Aceita-se a vinculação dessa problematização com a imprescindível tomada de consciência pelo educador de surdos, em relação à mudança de paradigma, no que se refere à Pedagogia Visual.

O ensino de matemática pautado pela pedagogia visual: trilhando o caminho dos jogos

A discussão acerca da educação de surdos e da forma como eles aprendem e captam informações exteriores é antiga, mas não exaustiva, e ainda há muito que se pesquisar, revelando- se um desafio constante.

O grande desafio quanto ao aspecto da aprendizagem do alunado surdo, é constituído por suas dificuldades, principalmente dos filhos de pais ouvintes, no que diz respeito às atividades que envolvem a compreensão e uso da linguagem oral e/ou escrita (FERNANDES, 1990). Muitas são as dificuldades enfrentadas pelos alunos do Ensino Fundamental na aquisição dos conhecimentos matemáticos. Há vários estudos que comprovam o atraso desse alunado no desenvolvimento cognitivo em relação às competências matemáticas, embora estes não apresentem dificuldades nos primeiros anos com a representação de número (FERNANDES, 1990).

Para Kishimoto (1996) e Smole, Diniz & Milani (2007), as dificuldades que emergem na aprendizagem da Matemática nos sistemas educacionais, muitas vezes são caracterizadas pela desvinculação entre os conteúdos ensinados. E uma das funções mais significativa da educação matemática é promover a interação dos esquemas em ação e de raciocínios que o aluno desenvolve fora da escola com as representações que fazem parte da cultura matemática (NUNES, CAMPOS, MAGINA & BRYANT, 2002). Se isto constitui um grande desafio quando se consideram os alunos ouvintes, ao pensarmos no aluno surdo, a tarefa de articular os esquemas trazidos pelos alunos com aqueles que a escola deseja desenvolver torna-se ainda mais desafiadora.

Segundo a Teoria dos Campos Conceituais (VERGNAUD, 1986), os esquemas de ação representam as estratégias (os conhecimentos) utilizados pelos alunos para desenvolverem a solução de um problema (CARRAHER, CARRAHER & SCHLIEMANN, 1988) e essa necessidade de relacionar os conhecimentos matemáticos fora e dentro da sala de aula também é válida para alunos surdos, principalmente levando em consideração as defasagens faixa etária x nível de escolaridade observadas nestes alunos (ZARFATY, NUNES & BRYANT, 2004).

Os conceitos mais simples de adição requerem a relação entre os esquemas de ação e os sistemas de sinais desenvolvidos culturalmente (NUNES et al, 2002). Logo, para compreendermos o número e as operações matemáticas se faz necessário relacionarmos palavras e símbolos, estando, então, o aluno surdo em desvantagem, tendo em vista que sua compreensão de sinais culturalmente desenvolvidos é diferente daquela majoritária na escola, a do aluno ouvinte.

Karin Strobel (2008) comenta que o primeiro artefato da cultura surda é a experiência visual no qual as pessoas com surdez percebem o mundo de maneira diferente. Perlin & Miranda (2003, p.218) complementam esse pensamento quando afirmam que a “experiência visual significa a utilização da visão, em substituição total à audição, como meio de comunicação”. Essas percepções visuais devem ser estimuladas através da língua de sinais e também de outros recursos que tragam essa possibilidade.

Então é significativo que o professor proporcione ambientes de aprendizagem de modo a favorecer condições, como o conhecimento cultural e linguístico; interações sociais positivas e envolvimento ativo com outros indivíduos, valorizando a diferença e estimulando as experiências visuais, ofertando uma pedagogia visual.

A Pedagogia Visual direciona as práticas docentes para o uso de imagens visuais que privilegiem a experiência visual da pessoa surda no processo de ensino e aprendizagem, sendo uma pedagogia elaborada e voltada para a comunidade surda, baseada nos próprios entendimentos e experiências visuais (CAMPELLO, 2007). Possui uma forma estratégica cultural e linguística de transmitir a própria representação de objeto, de imagem e de língua cuja natureza e aspecto são precisamente de aparato visual; e dos significados pelos quais são constituídos e produzidos o resultado visual (CAMPELLO, 2007), como uma “emancipação cultural pedagógica” (PERLIN, 2006).

Quadros (2003) ressalta a relevância das experiências visuais, características das comunidades surdas ao colocar que:

as experiências visuais são as que perpassam a visão. O que é importante ver, estabelecer as relações de olhar (que começam na relação que os pais surdos estabelecem com os bebês), usar a direção do olhar para marcar as relações gramaticais, ou seja, as relações entre as partes que formam os discursos. O visual é o que importa [...] Como consequência é possível dizer que a cultura é visual (p.93).

As experiências visuais fazem parte da cultura surda e é através de uma língua visualespacial, a língua de sinais, que o surdo constitui-se enquanto sujeito, ao desenvolver a linguagem e o pensamento. Essa língua é adquirida com rapidez pelos surdos, possibilitando a essas pessoas um desenvolvimento cognitivo e social muito mais adequado e compatível com sua idade, além de uma comunicação eficiente e completa (PERLIN, & MIRANDA, 2003).

Dada a especificidade da surdez é importante que o aluno surdo tenha oportunidade de interagir no ambiente educacional com a utilização de imagens e recursos visuais em seus aspectos lúdicos. Surdos “em contato inicial com a língua de sinais necessitam de referências da linguagem visual com as quais tenham possibilidade de interagir, para construir significado” (CAMPELLO, 2007, p.16), facilitando todo o processo de aprendizagem.

A imagem, a experiência visual tem papel fundamental no processo educacional, permitindo ao aluno surdo compreender, intervir e reagir no meio, tendo um efeito facilitador na educação do surdo, função de instrumento mediador da aprendizagem desses alunos. A imagem visual tem o potencial de ser aproveitada como recurso de transmissão de conhecimento e no desenvolvimento do raciocínio (REILY, 2003). A percepção desenvolvida ao redor de uma imagem visual permanece mais tempo na cognição, do que um discurso extenso sobre pontos teóricos, podendo ser utilizada como uma estratégia inicial, para ser retirado depois, ou como auxílio contínuo. As pistas visuais mantêm a atenção do aprendiz por mais tempo comparadas às dicas verbais, melhorando, por conseqüência, o seu aprendizado (SINGER, 1980).

É preciso revelar um novo olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem de alunos surdos, resignificando as propostas para o trabalho educacional, incluindo a utilização de imagens visuais, como enfatiza Lacerda (2000, p. 81): “é fundamental que a condição linguística do sujeito surdo seja contemplada, se pretende que ele apreenda conteúdos e desenvolva conhecimentos. Se a escola não faz concessões metodológicas e curriculares... às suas necessidades... sua escolaridade deixa a desejar”.

A ideia de que esse alunado apresenta dificuldades na assimilação de conceitos “abstratos”, na assimilação de conceitos matemáticos, precisa ser modificada. “Nota-se que a grande maioria das pessoas, inclusive no meio educacional, faz uma imagem da pessoa surda considerando certas características intrínsecas à surdez, e não como conseqüência de uma falha ou um fracasso do método utilizado na sua educação” (SILVA, 2006, p. 96).

Dessa forma, evidenciar a utilização de recursos visuais como estratégia pedagógica, torna-se fundamental para que o aluno tenha maiores possibilidades de compreensão e apreensão sobre o que está sendo ensinado, facilitando todo o processo de aprendizagem (STROBEL, 2008).

Os jogos e brincadeiras trazem, em sua composição, recursos visuais que chamam a atenção e aguçam a curiosidade, elementos que são fundamentais para o trabalho com os alunos surdos.

A utilização de jogos, seja no contexto escolar ou fora dele, não é algo novo. Eles consistem num aliado para a educação e a aprendizagem em muitas áreas do conhecimento, embora, muitas vezes, não sejam explorados adequadamente pelo professor. Representam ainda, um convite a expressão de necessidades, questionamentos e desenvolvimento de potencialidades dos alunos. Nas situações lúdicas não há o medo de errar, a obrigação de saber e nem há melhores ou piores; e sim, aprendizagem, baseada na vivência e nos recursos visuais.

O jogo representa ainda, uma estratégia importante para o ensino e a aprendizagem de conceitos abstratos e complexos, fornecendo a motivação interna, o raciocínio, a argumentação, a interação entre alunos e entre professores e alunos, por aliar os aspectos lúdicos aos cognitivos. Desenvolve além da cognição, ou seja, a construção de representações mentais, a afetividade, as funções sensório-motoras e a área social, as relações entre os alunos e a percepção das regras.

Assim se expressa Kishimoto (1996, p.37): “A utilização do jogo potencializa a exploração e a construção do conhecimento, por contar com a motivação interna típica do lúdico”

Método: Os caminhos desse trabalho

A pesquisa tem característica exploratória e qualitativa, uma vez que se pretende buscar dados sobre os resultados da ação dos jogos na construção dos conceitos matemáticos por alunos surdos . O pesquisador buscou proceder à interpretação da realidade, tendo para isso de imergir, no contexto da situação, com o universo de significados, crenças e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis (MINAYO, 2002). Utilizamos a observação participante como instrumento de recolha de informação, sendo complementado pelo material visual com os trabalhos realizado pelos alunos (FLICK, 2004).

Os principais aspectos desse método consistem segundo Flick (2004, p.152) em o pesquisador poder mergulhar de cabeça no campo, de ele observar a partir de uma perspectiva de membro, mas, também, de influenciar o que é observado graças a sua participação.

Nesse trabalho, foram analisadas práticas realizadas com jogos junto a 17 alunos surdos que freqüentam o Atendimento Educacional Especializado – AEE. Trata-se de uma modalidade de acompanhamento a alunos deficientes, incluídos em escolas regulares, que atende às necessidades específicas desses alunos relacionadas às suas deficiências. Foi definida a amostra por agrupamento que, segundo Silva e Silveira (2007), é o procedimento a partir do qual são delineados os subconjuntos da população, depois se escolhem amostras que a seguir são agrupados em novos subconjuntos, dos quais se extraem elementos menores, até atingir as unidades reais da análise. Neste trabalho a amostra foi constituída por 8 alunos surdos, na faixa etária de 12 a 16 anos, que cursavam do 6º ao 8º ano do Ensino Fundamental, em atendimento educacional especializado. Na apresentação dos dados os alunos serão identificados pelas iniciais de seus nomes, para preservar-lhes a identidade. A pesquisa de campo foi realizada no período de fevereiro a junho de 2010, com a utilização de jogos para o desenvolvimento de conceitos matemáticos.

Os jogos foram apresentados aos alunos em conformidade com o plano de atendimento e os conteúdos definidos para o período. Esses materiais foram elaborados com base na literatura dessa temática sobre jogos pedagógicos, e outros foram adaptados e criados pela professora do atendimento educacional especializado.

A contribuição dessa proposta de trabalho é tornar prática cotidiana o ensino despertado pelo interesse do aluno, valorizando mais experiências e descobertas e que o professor seja o mediador. Nesse sentido, o interesse do aluno passa “a ser força que comanda o processo de aprendizagem, suas experiências e descobertas, o motor de seu progresso e o professor um gerador de situações e estimuladoras e eficazes” (ANTUNES, 2002, p.36).

O instrumento utilizado na pesquisa foi o jogo “Entre cobras e escadas”, de domínio público. Tem o objetivo de levar o sujeito a organizar suas estratégias de pensamento lógico matemático para construir os conceitos de adição e subtração. O jogo “Entre cobras e escadas”, também chamado de “Serpentes e escadas”, é baseado no jogo Snakes and Ladders e tem por objetivo fazer com que o jogador percorra o tabuleiro (composto por 100 casas), atravessado por escadas e cobras. Podem jogar de dois a quatro jogadores. Caso o peão do jogador pare na base de uma escada, corta caminho, subindo até o seu topo. Nesse momento o aluno é estimulado a responder quantas casas ele ganhou para sair de sua casa e chegar a uma casa de número mais alto. Porém, se o peão parar em uma casa com a cabeça de uma cobra, ele desce até o seu rabo, muitas casas abaixo. O aluno é então estimulado a responder quantas casas ele perdeu. À medida que o jogo acontece o aluno anota suas operações matemáticas para serem exploradas posteriormente.

Resultados: “Entre cobras e escadas” – a ludicidade na construção do conhecimento matemático

Na experiência lúdica com jogos, constatou-se que apesar de suas possibilidades de promoção da aprendizagem e de ser uma atividade comum ao ser humano e habitual em crianças e adolescentes, estes foram percebidos inicialmente pelos alunos surdos com estranheza e sentimento de inutilidade, como atividade supérflua.

Esse fato pode ser compreendido em virtude da mudança de ação pedagógica tradicional e habitual para o ensino de ação e participação efetiva não ser simples nem ocorrer de forma linear. Dependeu, sobretudo, da consistência e persistência das atividades. Assim sendo, os educadores precisam estar atentos para que as estratégias educativas sejam adequadas e contextualizadas, garantindo no cotidiano da sala de aula, o exercício da participação dos alunos que permitam a iniciativa e o interesse, assegurando-lhes um saber com real significado. É preciso proporcionar-lhes outras experiências, trocar pontos de vista sobre um determinado assunto. “Quando se tira da criança a possibilidade de conhecer este ou aquele aspecto da realidade, na verdade está alienando-a da sua capacidade de construir seu conhecimento” (FREIRE, 1982, p.15).

A experiência proporcionada pelo jogo “Entre cobras e escadas” estimula, rapidamente, a construção mental das operações aditivas e subtrativas, pois exige do aluno agilidade na efetuação dos resultados e a elaboração de estratégias para a construção de um esquema de totalizar quantidades ao ganhar e/ou ao perder casas.

Inicialmente os alunos pesquisados demonstraram dificuldades em fazer os registros. As alunas T, K e Bd e os alunos Ic e Ig, utilizavam os dedos para fazer as somas das casas; já os alunos B e A não souberam como resolver a situação, tendo a aluna A, nas interações posteriores recorrido ao registro de riscos no papel. Somente a aluna G realizou os cálculos mentais, apesar de errar algumas vezes.

Ressalta-se que se calcula mentalmente quando se efetua uma operação, recorrendo-se a procedimentos confiáveis sem os registros escritos ou sem a utilização de instrumentos, lembrando que a palavra "mental" não sugere que a conta seja feita "de cabeça", e sim a necessidade de elaboração.
E a medida que utilizavam o jogo os alunos tornavam-se mais atuantes, abandonando o medo de errar, evidenciando interesse, autonomia, criatividade, interação e capacidade de generalização, sentindo-se desafiados a superar os obstáculos e esforçando-se para obter resultados positivos, elaborando estratégias sem automatismos, que substituem a necessidade de raciocinar.

Por permitir ao jogador controlar e corrigir seus erros, seus avanços, assim como rever suas respostas, o jogo possibilita a ele descobrir onde falhou ou teve sucesso e por que isso ocorreu. Essa consciência permite compreender o próprio processo de aprendizagem e desenvolver a autonomia para continuar aprendendo (Smole, 2007, p. 10).

A cada rodada os alunos registravam matematicamente as jogadas realizadas. A aluna A continuou registrando com risco, explicando que “na parte de cima da folha era a quantidade de casas que ganhou e na parte de baixo a quantidade de casas perdidas”; já a aluna G registrava por vezes o resultado imediato junto aos números das casas, em contas mais simples, e algumas vezes somente o registro dos números das casas, como no exemplo abaixo:

1ª rodada: registro da aluna G: = 34 casa 3 subir 37;
2ª rodada: registro da aluna G: casa 42 descer 17.

Após o jogo os alunos eram convidados a efetuar suas operações matemáticas. No início a grande dificuldade era em armar as operações, porém, com as explicações na língua de sinais e com a ajuda do ábaco japonês (soroban), que representou um importante recurso visual de mediação na construção do conhecimento matemático, os alunos foram efetuando suas operações com mais facilidade e interesse.

Outro ponto observado é que apesar de cursarem entre o 6º e 8º ano os alunos demonstraram ter no início pouco conhecimento da adição e subtração.

Ainda que de forma diferente, observaram-se nos sujeitos desta pesquisa posturas progressivas na relação entre os esquemas de ação e os sistemas de sinais além de desenvolver o raciocínio lógico matemático. As imagens visuais utilizadas no jogo, escadas, cobras, casas numeradas, além do soroban, foram elementos facilitadores da aprendizagem desses alunos surdos, evidenciando que o elemento visual configura-se como um dos principais facilitadores do desenvolvimento da aprendizagem dos surdos. As estratégias metodológicas utilizadas na educação devem necessariamente privilegiar os recursos visuais como um meio facilitador do pensamento, da criatividade e da língua viso-espacial (SALES, 2004, p.10).

A partir dos processos visuais o surdo pode então estruturar sua aprendizagem, comunicação e língua viso-espacial, por meio de imagens mentais.

Após a conclusão da fase de aplicação do jogo ocorreram avaliações individuais e arguições em LIBRAS 3 onde ficaram evidenciados os efeitos dessa atividade na ação discente. Percebeu-se ainda que as estratégias criadas pelos alunos para atingir a resolução dos problemas foi se intensificando à medida que se apropriavam com segurança da manipulação do jogo, que proporcionou também estímulo à construção mental das sequências numéricas, crescentes e decrescentes, produzida pelo deslocamento dos peões, subindo escadas e descendo em cobras, tornando uma atividade desvinculada do trabalho mecânico e a memorização, tornando evidente que o jogo é mais adequado no ato de aprender.

O jogo e utilizado na sala de aula como alternativa didático-pedagógica visou estimular e despertar interesse nos alunos na construção dos conceitos matemático, em virtude das grandes dificuldades dos alunos em aprender os conteúdos, por falta de uma metodologia de ensino mais adequada.

Conclusão

Os achados desta pesquisa embasaram este estudo na área de aquisição de conhecimentos matemáticos por um grupo de alunos surdos nos revelando que o jogo é uma estratégia importante para o ensino e a aprendizagem de conceitos abstratos e complexos, fornecendo a motivação interna, o raciocínio, à argumentação, a interação entre alunos e entre professores e alunos, por aliar os aspectos lúdicos aos cognitivos. Esse recurso desenvolve além da cognição, isto é, a construção de representações mentais, a afetividade, as funções sensório-motoras e a área social, ou seja, as relações entre os alunos e a percepção das regras (KISHIMOTO, 1996). “A utilização do jogo potencializa a exploração e a construção do conhecimento, por contar com a motivação interna típica do lúdico” (KISHIMOTO, 1996, p.37).

Vale ressaltar, que é preciso considerar os jogos didáticos como ferramentas auxiliares ao trabalho de sala de aula e devem ser cuidadosamente avaliados e adequados as situações de ensino. Nem todo jogo é um material pedagógico. Eles são os que possuem a intenção explícita de provocar, estimular, uma aprendizagem significativa, ajudando na construção do conhecimento novo e despertando o desenvolvimento de uma aptidão ou capacidade cognitiva específica. A mera utilização deles não garante a aprendizagem do aluno. Eles só devem ser utilizados quando o conteúdo possibilitar e ainda, constituírem em auxílio eficiente ao alcance do objetivo dentro do planejamento, ou seja, o jogo só terá validade se tiver uma boa qualidade e, sobretudo se for utilizado na hora certa.

O jogo somente tem validade se usado na hora certa e essa hora é determinada pelo seu caráter desafiador, pelo interesse do aluno e pelo objetivo proposto. Jamais deve ser introduzido antes que o aluno revele maturidade para superar seu desafio e nunca quando o aluno revelar cansaço pela atividade ou tédio por seus resultados. (ANTUNES, 2002, p.40).

Assim, sem negar as atuações, por vezes, positivas das aulas não vivenciais, que, ainda, são trabalhadas cotidianamente por grande número de professores, esse estudo questiona as práticas e os discursos pedagógicos que concebem os jogos somente como atividades extra-escolares ou para divertimentos esporádicos, sem direcionamento para a construção da aprendizagem. Essa concepção também é questionada por vários autores como Brourgére (1995), Antunes (2002), Haetinger (2005), e por diversos profissionais que defendem a importância do uso dos jogos em sala de aula como parte de um planejamento inovador que promova o desenvolvimento cognitivo dos alunos. Talvez, ainda, não se tenha voltado o olhar para a riqueza dessas atividades na prática, não se permitindo vivenciar o “diferente”.

Por meio desse estudo constatou-se a função educativa do jogo, durante sua aplicação com os alunos, verificou-se que ele favorece a aquisição e ampliação de conhecimentos, num ambiente de sala de aula alegre e prazeroso. O ensino muda para ser coerente com o mundo dinâmico no qual vivemos e cujas transformações fazem expandir o âmbito da sala de aula. Como sujeitos ativos e participativos, os alunos precisam ser desafiados a construir os conceitos e elaborá-los de acordo com sua vivência. O estímulo observado entre os alunos que participaram da aplicação dos jogos é significativo e a avaliação do aprendizado e do crescimento das atividades coletivas soa facilmente constatáveis entre eles.

Observou-se também que, imagens visuais e aprendizagem são dois aspectos intrinsecamente relacionados na análise da experiência da surdez. Os jogos despertaram curiosidade e interesse, tendo os alunos pesquisados demonstrado maior participação à medida que iam se apropriando dos resultados do jogo. Vinculado a essa percepção, é possível afirmar ainda que propicia uma riqueza de expressividade, estabelecida pelo movimento e desenvoltura dos alunos na relação com os jogos. Para Smole (2007, p.12): “todo jogo por natureza desafia, encanta, traz movimento, barulho e uma certa alegria para o espaço no qual normalmente entram apenas o livro, o caderno e o lápis.”

A aplicação de metodologia com uso de jogos educativos pode melhorar o desempenho e consequentemente as avaliações referentes ao aprendizado discente. O ensino por sua vez, pode ser aprimorado, proporcionando ao educando um aprendizado mais eficaz e eficiente. Desse modo, acredita-se que a utilização de jogos virá a melhorar o modo de ensinar, avaliar e também o modo de aprender. Entende-se que o jogo merece espaço e tempo maior na prática pedagógica no cotidiano dos professores.

Este trabalho não está concluído, pois necessita de mais pesquisas e vivências com os jogos. Na confiança de estar no caminho certo, devido às respostas recebidas, esse trabalho fortalece a parceria buscada pelas instituições de ensino na tentativa de assegurar a aprendizagem do aluno com surdez. Além de fortalecer a auto-estima dos surdos para que se percebam como pessoas inteligentes, participativas, capazes de superar dificuldades. Espera-se que essa experiência contribua para a apropriação de conhecimento, e também para sensibilizar os professores sobre a importância desses materiais, motivando-os à aplicação e elaboração desses recursos. Para sua permanência é necessário mudanças de estratégias de ensino, tendo em vista que o propósito não é transmitir conteúdos descontextualizados para serem memorizados; mas criar situações estimuladoras, lúdicas, que provoquem o desenvolvimento.

Faz-se necessário contemplar um processo de construção coletiva envolvendo esses protagonistas em um contínuo reconstruir-se a partir dos debates suscitados pelo encontro de diferentes ideias, concepções e posturas, para que produzam conhecimentos e se desenvolvam pesquisas com o intuito de avançar na compreensão da especificidade da educação desse alunado e na definição conceitual dos professores, visando minimizar lacunas na aprendizagem de conceitos matemáticos por parte dos alunos surdos.

Notas

1 O termo técnico não é mera questão semântica; o uso do termo acima coloca que essas pessoas portam deficiência, como se fossem coisas que às vezes portamos e às vezes não (Sassaki, 2003).
2 O ensino bilíngue para alunos surdos preconiza o uso da língua de sinais, proporcionando o desenvolvimento linguístico e cognitivo do jovem surdo, facilitando o processo de aprendizagem, servindo de apoio para a leitura e compreensão (QUADROS & SCHMIEDT, 2006).
3 As arguições em LIBRAS decorrem da necessidade de entendimento do surdo sobre o contexto e consistem em diálogos interativos na sua língua materna, que é a língua de sinais.

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