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Flávia Roldan Viana
Flávia Roldan Viana
Fonoaudióloga
O ensino de matemática para alunos com surdez
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Publicado em 2012
3º Simpósio Internacional de Pesquisa em Educação Matemática, Fortaleza. Anais do 3º SIPEMAT, v.1
Flávia Roldan Viana
Marcília Chagas Barreto
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Resumo

Com este texto, pretendemos levantar uma discussão acerca da literatura que está sendo produzida em torno do ensino de Matemática para alunos com surdez. Esta discussão é parte de um projeto maior em que se objetiva intervir na formação de professores que ensinam matemática para alunos surdos. A literatura demonstra que há ainda um longo caminho a ser percorrido para que se consiga efetivamente levar o surdo a construir o seu conhecimento matemático.

1 Introdução

Na atualidade, tem-se constatado que a educação constitui elemento fundamental para o desenvolvimento sócio, econômico e político do país, porém a dificuldade do ensino em lidar com as diferentes formas de aprendizagem e de atender às necessidades de milhões de educandos, com as mais variadas especificidades, resulta em altas taxas de fracasso escolar.

Machado (2008) destaca ainda que

na busca da padronização e homogeneidade para atender a essa ideologia, a escola tem pautado suas práticas pedagógicas em modelos teórico metodológicos que sustentam uma visão linear e estática sobre o processo de ensino, como também sobre a aprendizagem do aluno, manifestando uma visível dificuldade em lidar com diferentes formas e ritmos de aprender (p. 76).

No que diz respeito à educação de surdos, as políticas educacionais, ao longo do tempo, cristalizaram uma concepção de direitos à educação em limiares restritos.

O acesso desigual desse alunado à escolaridade tem origem no diagnóstico tardio e na tendência neoliberal de uma política educacional inclusiva que reforça estigmas e concepções errôneas a respeito da surdez e dos surdos (MAGALHÃES ET AL, 2002; MACHADO, 2008).

O exposto acima ressalta a necessidade de proporcionar a esses indivíduos educação adequada que lhes possibilite inserção e expressão social. Nesse cenário, a educação matemática para surdos também começa a ganhar espaço, mas ainda são escassas as produções que dão conta de como essa população aprende ou é ensinada.

Dessa forma, nesse trabalho objetivou-se uma discussão acerca da literatura que está sendo produzida em torno dessas duas vertentes. Esta discussão é parte de um projeto maior em que se objetiva intervir na formação de professores que ensinam matemática para alunos surdos.

2 O que mostram as pesquisas

As pesquisas relativas ao trabalho com a Matemática com alunos surdos vêm tomando impulso na última década. Os rumos traçados nesse desenvolvimento buscam superar uma ideia muito presente no final do século passado, em que os professores estavam voltados quase exclusivamente para o ensino do conteúdo, sem ponderar as características dessa clientela. É o que revela o discurso de um professor de aluno surdo, ao afirmar que dará “sempre prioridade a questões relativas à Matemática propriamente dita, aos conteúdos, embora possa eventualmente discutir problemas correlatos, como os assuntos didáticos, metodológicos, por exemplo” (LIMA, 1982, p.5. grifo nosso). Tratando-se de pessoas surdas há de considerar que, durante muitos anos, a oralização foi a base da educação desses alunos (CANONGIA, 1981).

Em função da superação deste tipo de concepção Sacks (1998) afirma que a acentuada visualidade do surdo o inclina a formas de memória especificamente “visuais”, as quais são uma das principais fontes de estímulo à própria necessidade de comunicação por meio da língua de sinais, língua viso-espacial, que faz as vezes das palavras.

As pessoas surdas, usuárias da língua de sinais, tendem a organizar seus pensamentos segundo uma ordem lógico-espacial. Esta forma de pensamento precisa ser tratada no espaço tridimensional, para o desenvolvimento de habilidades, tais como: memória, associação de ideias, sequenciação espacial. Para o autor tudo isto é desenvolvido dada a “grande facilidade para imaginar e pensar no espaço tridimensional” (SACKS, 1998, p. 119).

Em trabalho datado de 2004, Sales afirma que:

o elemento visual configura-se como um dos principais facilitadores do desenvolvimento da aprendizagem dos surdos. As estratégias metodológicas utilizadas na educação devem necessariamente privilegiar os recursos visuais como um meio facilitador do pensamento, da criatividade e da linguagem viso-espacial (p.10).

É a partir, então, dos processos visuais que o surdo pode estruturar sua aprendizagem, comunicação e língua viso-espacial, por meio de imagens mentais.

Sendo assim, é importante criar condições para que o aluno compreenda os conhecimentos de Matemática. A partir daí, o professor, em sua sala de aula, organiza seu trabalho procurando, em determinadas situações, os caminhos que sejam mais significativos para seus alunos.

Mas, e como fazer? Como possibilitar esse aprendizado ao aluno surdo? As estratégias a serem aplicadas no desenvolvimento dos conteúdos de Matemática, que sejam úteis ao professor, são diversas: experimentação e estudo do meio, o desenvolvimento de projetos, os jogos, os seminários, os debates, a simulação, as propostas que possibilitem ao professor ser esse mediador, responsável por apresentar problemas ao aluno que o desafiem a buscar a solução.

Em pesquisa posterior (SALES 2008), o autor avalia o trabalho com a resolução de problemas aditivos, com alunos surdos. Afirma que a utilização de recursos didáticos, principalmente os visuais, como as mídias tecnológicas, com o apoio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), permitiu estabelecer um canal de comunicação favorável para que esses alunos interajam com seus pares. Ao mesmo tempo promoveu a apropriação dos conceitos matemáticos relativos ao conteúdo trabalhado.

Sendo assim, o autor enfatiza a necessidade de o professor se comunicar através da língua de sinais, além de criar situações de aprendizagem que desenvolvam, com os alunos com surdez, competências como saber comunicar-se, saber trabalhar em grupo. Considera que este aluno ainda se percebe rejeitado, estigmatizado, advindo daí, na maioria das vezes, sérios problemas de aprendizagem.

Nunes (2004) afirma que é preciso considerar o ensino de Matemática para crianças surdas, tendo em vista que os maiores esforços têm sido concentrados no ensino da linguagem e da leitura, havendo poucos trabalhos que focalizam o processo de ensino da referida disciplina.

Ainda segundo a autora, os estudos que focalizam a Matemática, efetuados nos Estados Unidos, têm documentado atrasos significativos no desenvolvimento conceitual de alunos com surdez, em comparação com alunos ouvintes.

Austin (1975) encontra em sua pesquisa um atraso na medição de conceitos numéricos. Titus (1995) observa um atraso no desenvolvimento de conceitos de fração, e Kelly, Lang, Mousley, e Davis (2003) relatam um atraso semelhante na capacidade de universitários para resolver um problema aritmético. Estes estudos ilustram a generalidade, bem como a gravidade das dificuldades dos alunos surdos na área da Matemática, porque demonstram surdos em desvantagem, mas essas pesquisas não localizam a razão para estes dificuldades (NUNES, 2004).

Dada à especificidade da surdez, na educação é importante que o aluno com surdez tenha oportunidade de interagir no ambiente educacional com a utilização de imagens visuais em seus aspectos lúdicos. A imagem, a experiência visual, tem papel fundamental no processo educacional, permitindo à criança surda compreender, intervir e reagir no meio.

Perlin e Miranda (2003) reforçam a discussão quando afirmam essas experiências visuais devem ser estimuladas através da língua de sinais e também de outros recursos, como a proficiência do professor na língua de sinais, representações figurais, concretas e espaciais, que tragam essa possibilidade.

É preciso revelar um novo olhar sobre o processo de ensino e de aprendizagem de alunos surdos, resignificando a ideia de que esse alunado apresenta dificuldades na assimilação de conceitos “abstratos”, na organização da linguagem e na fixação do vocabulário dado. “Nota-se que a grande maioria das pessoas, inclusive no meio educacional, faz uma imagem da pessoa surda considerando certas características intrínsecas à surdez, e não como consequência de uma falha ou um fracasso do método utilizado na sua educação” (SILVA, 2006, p. 96).

Dessa forma, evidenciar a utilização de recursos visuais, assim como a utilização de dicas visuais como estratégia pedagógica, torna-se fundamental para que o aluno surdo tenha maiores possibilidades de compreensão e apreensão sobre o que está sendo ensinado, facilitando todo o processo de aprendizagem (STROBEL, 2008).

3 Considerações Finais

A literatura consultada evidencia que a escola está progressivamente buscando adaptar-se às características das crianças surdas. O elemento mais ressaltado vê a ser a utilização de apoio visual, principalmente a partir da utilização da linguagem dos sinais.

Algumas saídas encontradas para a inclusão do surdo na escola regular têm se mostrado de difícil execução. A presença do intérprete em sala de aula vem evidenciando dificuldades, principalmente dada a divisão da autoridade naquele espaço pedagógico.

Dada a característica da Matemática como uma ciência abstrata, faz-se necessária a utilização da maior variedade possível de recursos para representar os conceitos. A literatura demonstra que há ainda um longo caminho a ser percorrido para que se consiga efetivamente levar o surdo a construir o seu conhecimento matemático em compasso com seus colegas ouvintes.

Bibliografia

CANONGIA, M. B. Manual de terapia da palavra. Anatomia, fisiologia, semiologia e o estudo da articulação dos fonemas. Rio de Janeiro: Atheneu, 1981.

LIMA, E. L. Conceitos e controvérsias. Revista do professor de matemática, São Paulo, n. 1, p. 5, 1982.

MACHADO, P. C. A política educacional de integração/inclusão: um olhar do egresso surdo. Florianópolis: UFSC, 2008.

MAGALHÃES, R. de C. P.; LAGE, A. M. V. L. ... [et all]. Reflexões sobre a diferença: uma introdução à educação especial. Fortaleza: Edições Demócrito Rocha, 2002.

NUNES, T. Teaching Mathematics To Deaf Children. Philadelphia: Whurr Publishers, 2004.

PERLIN, G; MIRANDA, W. Surdos: o Narrar e a Política. In: Estudos Surdos – Ponto de Vista: Revista de Educação e Processos Inclusivos n. 5, UFSC/NUP/CED, Florianópolis, 2003.

SACKS, O. W. Vendo vozes: uma viagem ao mundo dos surdos. Tradução Laura Teixeira Mota. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

SALES, E. R. A imagem no ambiente logo enquanto elemento facilitador da aprendizagem com crianças surdas. 2004. 65 f. Monografia (Especialização em Informática Educativa), Centro de Ciências Humanas e Educação, Universidade da Amazônia, Belém, 2004.

_____, E. R. Refletir no silêncio: um estudo das aprendizagens na resolução de problemas aditivos com alunos surdos e pesquisadores ouvintes. 2008. 162 f. Dissertação (Mestrado em Educação em Educação em Ciências e Matemáticas)- Universidade Federal do Pará, Belém, 2008.

SILVA, V. Educação de Surdos: Uma releitura da primeira escola pública para surdos em Paris e do Congresso de Milão em 1880. In: QUADROS, R. M. de (Org.). Estudos surdos I. Petrópolis (RJ): Arara Azul, 2006.

STROBEL, K. As imagens do outro sobre a cultura surda. Florianópolis: Ed. da UFSC, 2008.

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