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Dulcilene Saraiva Reis
Dulcilene Saraiva Reis
Pedagoga (Professora)
A inclusão e a formação docente: novas competências para a prática educativa
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Publicado em 2013
In: VIII Encontro da Associação Brasileira de Pesquisadores em Educação Especial, Londrina. Anais do VIII Encontro da ABPEE. Londrina: UEL, V. 1.
Dulcilene Saraiva Reis
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Resumo

Os caminhos percorridos para a formação docente será o cerne deste trabalho que tem por objetivo situar a formação inicial e continuada dos professores no que diz respeito ao atendimento aos alunos com deficiência em salas inclusivas. Para isso terá como base de discussão teórica autores como: Feldmann (2009), Nóvoa (1992), Tardif (2002), Campos (2010) e Freire (1996). A pesquisa foi realizada em quatro Escolas Públicas no município de Porto Velho, com dez professores do 6º ao 9º do Ensino Fundamental que tem alunos especiais incluídos, no período de junho de 2011 a junho de 2013. A abordagem deste trabalho é qualitativa, do tipo etnográfica. Os resultados apontaram a fragilidade na formação inicial e continuada dos docentes e da dificuldade em desenvolver com qualidade o seu fazer pedagógico.
Palavras-Chave:

Introdução

Inicia-se esta discussão com algumas indagações acerca da formação docente: Como está sendo formado o professor? Como deveria ser esta formação? Esses e outros questionamentos fazem parte das discussões sobre os caminhos da formação docente em tempos de inclusão. A discussão, por hora pertinente, é sobre que tipo de formação os professores terão a partir da inclusão. Não se pode fazer inclusão sem que sejam levadas em consideração as características dos alunos, sejam estes deficientes ou não. O Brasil tem várias leis que regulamentam a inclusão de alunos com necessidades educacionais especiais, sendo algumas delas a Constituição Federal, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB nº 9.304/96), o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA nº 8.069/90), a Lei da Libras (10.436/02), entre outras. O Governo Federal instituiu a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva (2008), documento que norteia as ações para a inclusão de pessoas com deficiência, seja ela sensorial, motora, intelectual, transtornos globais do desenvolvimento e superdotação/altas habilidades. Entretanto, ainda existem lacunas na formação dos professores que atuam em escolas públicas. Esta formação não chega, efetivamente, às escolas, embora exista ampla legislação garantindo este direito. Este trabalho faz parte da dissertação intitulada “Formação Docente e Educação de Surdos: um encontro com a Diferença, Cultura e Identidade Surda”, do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Educação, da Universidade Federal de Rondônia.

Os caminhos da formação docente

Mesmo sem um investimento adequado na formação, seja inicial ou continuada, é cobrada dos professores novas competências e práticas mais reflexivas em sala de aula. É exigida do professor a compreensão da diversidade cultural e das diferenças que permeiam a escola, mesmo que isso nunca tenha passado pela sala de aula na graduação. Nóvoa (1992, p. 26) afirma que “a formação docente é, provavelmente, a área mais sensível das mudanças em curso no setor educativo; aqui não se formam apenas profissionais; aqui produz-se (sic) uma profissão”. A docência é um ofício, um trabalho complexo, pois compreende a formação do homem. Embora que para muitos pareça ser uma tarefa fácil, ser professor exige muita dedicação. Para o senso comum, para ensinar bastaria apenas à pessoa estudar para poder “passar” o conhecimento, o conteúdo, o saber sistematizado, como se a escola fosse um depósito de pessoas, numa visão bancária, como bem criticava Freire (1997, p. 27) ao afirmar que “ensinar não é transmitir conhecimento” e os professores não são meros transmissores de “conteúdos”. Ser professor exige muito mais do que aprender conteúdos para depois transmiti-los, como afirma Freire (1997, p. 14):

Percebe-se, assim, a importância do papel do educador, o mérito da paz com que viva a certeza de que faz parte de sua tarefa docente não apenas ensinar os conteúdos, mas também ensinar a pensar certo. Aí a impossibilidade de vir a tornar-se um professor crítico se, mecanicamente memorizador, é muito mais um repetidor cadenciado de frases e de ideias inertes do que um desafiador. O intelectual memorizador, que lê horas a fio, domesticando-se ao texto, temeroso de arriscar-se, fala de suas leituras quase como se estivesse recitando-as de memória - não percebe, quando realmente existe, nenhuma relação entre o que leu e o que vem ocorrendo no país, na sua cidade, no seu bairro. Repete o lido com precisão, mas raramente ensaia algo pessoal.

O locus da docência é a sala de aula, é neste espaço que ocorre o processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, são necessárias algumas ações para que a aprendizagem aconteça e a principal delas é compreensão dos saberes docentes, é por meio do conhecimento que o professor tem, obtido de suas vivências e experiências, que este conseguirá atingir os objetivos pedagógicos. E, portanto, conhecer como se dá este processo é de fundamental importância na formação docente. Conforme Campos (2010, p.111):

O professor toma decisão conforme o imediato das ocorrências em sala de aula. Essa decisão exige dele apoio nos seus saberes a partir da sua experiência, da reflexão sobre as decisões de êxito; dos saberes disciplinados, do conteúdo da matéria a ser ensinada; dos saberes pedagógicos, na sua formação pedagógica. Desse modo compreendemos que os saberes docentes fundamentam o processo de decisão na sala de aula.

Daí a importância da formação do professor reflexivo, que compreende não somente os conteúdos a serem ensinados, mas a problematização da prática docente. Os estudos de Schön (2000) têm contribuído com as discussões sobre as reformas curriculares dos cursos de licenciatura devido a vários fatores, mas sendo o principal deles “a necessidade de formar profissionais capazes de ensinar em situações singulares, instáveis, incertas, carregadas de conflitos e de dilemas, que caracteriza o ensino como prática social em contextos historicamente situados” (PIMENTA, 2002, p. 21). É exatamente este o contexto em que o professor se encontra ao deparar-se com alunos que não conseguem aprender, indisciplinados, deficientes, diferentes, numa escola que não colabora com sua formação, vindo de uma instituição que, em tese, deveria prepará-lo para esta diversidade, mas infelizmente, não o prepara. Sabe-se que a responsabilidade de formar os alunos é da escola, mas sabe-se que esta mesma escola também é responsável pela formação contínua do professor. Freire (1997, p. 22) diz que “na formação permanente dos professores, o momento fundamental é o da reflexão crítica sobre a prática. É pensando criticamente a prática de hoje ou de ontem que se pode melhorar a próxima prática”. A profissão docente requer reflexão e criticidade, pois tem a capacidade de transformação do conhecimento científico em conteúdos a serem ensinados. E é exatamente na formação inicial que esta prática reflexiva deveria começar a ser trabalhada nos futuros professores. Com isso, retoma-se a questão inicial: como está sendo formado o professor? O Brasil passou por uma reforma na educação a partir da Constituição de 1988 2 e da regulamentação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB), Lei nº 9.394/96 3, trazendo uma nova visão de ensino. Alguns pontos tem considerável relevância nesta reforma, como mais autonomia e descentralização das escolas, conforme o Artigo 15: “Os sistemas de ensino assegurarão às unidades escolares públicas de educação básica que os integram progressivos graus de autonomia pedagógica, administrativa e de gestão financeira, observadas as normas gerais de direito financeiro público”; implantação de sistemas nacionais de avaliação, como a Provinha Brasil, o Saeb e o Enem; implantação da Gestão Democrática; a Educação Infantil ser reconhecida e fazer parte do Ensino Básico; a exigência da formação superior para os professores. A LDB tem uma seção específica voltada para a formação de professores e no seu artigo 61, diz que:

Parágrafo único. A formação dos profissionais da educação, de modo a atender às especificidades do exercício de suas atividades, bem como aos objetivos das diferentes etapas e modalidades da educação básica, terá como fundamentos:
I – a presença de sólida formação básica, que propicie o conhecimento dos fundamentos científicos e sociais de suas competências de trabalho;
II – a associação entre teorias e práticas, mediante estágios supervisionados e capacitação em serviço;
III – o aproveitamento da formação e experiências anteriores, em instituições de ensino e em outras atividades.

No artigo 62, sobre a formação docente, coloca que:

A formação de docentes para atuar na educação básica far-se-á em nível superior, em curso de licenciatura, de graduação plena, em universidades e institutos superiores de educação, admitida, como formação mínima para o exercício do magistério na educação infantil e nos 5 (cinco) primeiros anos do ensino fundamental, a oferecida em nível médio na modalidade normal.

Embora isso ainda não seja uma realidade brasileira, pois muitas escolas ainda contam com professores somente com o ensino médio, esta determinação da Lei é vista como positiva. No artigo 13 estabelece as incumbências dos professores, independentemente da etapa escolar em que atuam, a saber:

I – participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II – elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
III – zelar pela aprendizagem dos alunos;
IV – estabelecer estratégias de recuperação para alunos de menor rendimento;
V – ministrar os dias letivos e horas-aula estabelecidas, além de participar integralmente dos períodos dedicados ao planejamento, à avaliação e ao desenvolvimento profissional;
VI – colaborar com as atividades de articulação da escola com as famílias e a comunidade.

Percebe-se a participação do professor não só na área da docência, mas também na gestão da escola, participando ativamente do planejamento escolar. Segundo Campos (2010, p. 124) alguns movimentos sociais influenciaram a reforma educacional no Brasil, a saber:

- Educação para Todos – Jomtien/1990;
- Educação ao Longo da Vida – Dakar/2000;
- Relatório Jacques Delors – UNESCO;
- Sete Saberes Necessários para Educação no Futuro – obra de Edgar Morin (Reforma na França);
- Na década de 1990 a educação no Brasil passa por uma reforma no ensino;
- Plano Decenal de Educação para Todos – 1993;
- Conferência Nacional de Educação – 1994.

Esses movimentos, de certa forma, contribuíram para que no Brasil, no que diz respeito à educação, alguns avanços fossem alcançados. As Diretrizes Curriculares para a Educação (DCE) 4, documento que norteia o planejamento curricular das escolas e sistemas de ensino, tendo sua origem na LDB de 1996, foram lançadas neste período. As DCE têm força de lei e devem ser consideradas na Proposta Curricular das escolas. Em 2001 foi lançado o Parecer nº 09, que trata da formação docente nos cursos de graduação. Este documento propõe uma reforma curricular nos cursos de formação de professores e indica alguns pontos a ser considerados, por exemplo:

  • Construção de Competências: através da associação da teoria e prática, numa ação reflexiva;
  • Simetria Invertida: todo professor já foi um dia aluno e essa percepção da educação vista do outro lado, contribuirá na sua formação;
  • Concepção de Aprendizagem: os professores precisam saber que todo conhecimento é construído numa relação de interação com a realidade, não devendo, portanto, serem meros transmissores de conteúdos;
  • Concepção de Conteúdo: o currículo para a formação de professores deve favorecer o desenvolvimento das competências necessárias para o exercício da docência;
  • A pesquisa na formação docente: a importância de saber como foram produzidos os conhecimentos que o professor vai ensinar.
    A reforma na educação foi necessária devido ao contexto em que se encontrava a escola: evasão, repetência, improdutividade, indisciplina, analfabetismo, ou seja, o fracasso escolar. Conforme Campos (2010, p. 127):

Parte da resposta para as dificuldades presentes [...] tem a sua crítica depositada no modelo de formação de professores: currículos pouco apropriados à realidade e às exigências da escola requerida pela nova ordem mundial, cursos com disciplinas genéricas e de pouca objetividade, dicotomia teoria/prática, com estágios somente no final, conteúdos em geral fragmentados, currículos que geram pouco impacto na vida dos alunos.

O resultado disso são professores despreparados para “enfrentar” a escola, incapazes de exercer seu verdadeiro papel. Mas, quem é o professor? Feldmann (2002, p.71), coloca que o professor nos dias de hoje “é o sujeito que professa saberes, valores, atitudes, que compartilha relações e, junto com o outro, elabora a interpretação e reinterpretação do mundo”. Portanto, os cursos de formação deveriam considerar este perfil de professor e organizar um currículo que levem a todas estas competências. Feldmann (2002) realiza estudos desde 2000 na área de formação docente e uma das evidências apontadas em suas pesquisas é a “desvinculação entre a teoria e a prática, obstáculos na concretização de uma prática pedagógica [...]” (FELDMANN, 2002, p. 75). De fato, a articulação entre a teoria e a prática na formação de professores talvez seja um dos maiores desafios. Feldmann (2002, p. 74) coloca que:

As recentes investigações nacionais e internacionais sobre a formação de professores apontam a necessidade de se tornar a prática pedagógica como fonte de estudo e construção de conhecimento sobre os problemas educacionais, ao mesmo tempo que se evidencia a inadequação do modelo racionalista-instrumentalista em dar respostas às dificuldades e angústias vividas pelos professores no cotidiano escolar, embora seja esse o paradigma mais presente em nossas escolas.

Faz-se necessária a mudança dos paradigmas atuais, uma vez que a educação ainda tem concepção positivista. É preciso transformar o ensino técnico, no qual o professor figura como um aplicador de estratégias e conteúdos, em um ensino prático, onde o professor é um construtor do conhecimento. A sociedade brasileira tem passado por mudanças e estas estão refletidas na escola, exigindo um pensar sobre qual formação é a mais adequada para atender as demandas atuais. Feldmann (2002, p. 77) diz que “o processo de formação de professores caminha junto com a produção da escola em construção por meio de ações coletivas, desde a gestão, as práticas curriculares e as condições concretas de trabalho vivenciadas”. A formação do professor não é individual. É no coletivo que o professor constroi o alicerce de sua formação. São as trocas com os demais envolvidos na educação que o professor desenvolve a sua prática. É dentro da escola que o professor vivencia as diferenças culturais, precisando conviver e aprender com elas. Segundo Pérez-Gómez (apud Feldmann, 2002, p. 77):

A escola pode ser compreendida como o intercruzamento de diferentes culturas, expresso em significados, valores, sentimentos, costumes, rituais, como, por exemplo: a cultura acadêmica, refletida nas definições que compõem o currículo; a cultura crítica, composta pelas disciplinas científicas presentes na escola; a cultura social, construída pelos valores hegemônicos do cenário social; a cultura institucional, estabelecida nas normas, rotina e ritos próprios; e a cultura experiencial, adquirida pelos alunos no intercâmbio com seu meio.

Compreender esta multiculturalidade e reconhecer sua legitimidade nos espaços escolares é fundamental no processo de formação dos professores. Maurice Tardif (2002) é canadense, professor e pesquisador na área de formação de professores, seus estudos têm contribuído para a reflexão do ofício docente. Um dos focos de sua pesquisa é conhecer o que pensam os professores sobre os seus saberes. Para Tardif (2002), os saberes dos professores são um conjunto de diferentes saberes, oriundos de diversas fontes e é a base do conhecimento profissional. O professor só se constitui professor na prática. Considera que o professor se forma através de suas próprias experiências enquanto aluno e suas crenças, valores e representações irão acompanhá-lo mesmo após ter passado por uma formação. É temporal também pelo fato de os professores utilizarem os primeiros anos de atuação para estabelecer suas competências profissionais, é o momento de aprendizagem do ofício de professor.

A formação do professor e a educação especial

No professor/educador pode-se ver a imagem de um semeador: o semeador de alguns anos atrás que, enchendo as mãos de grãos, lançava muitas sementes em terrenos os mais diversos.
Feltrin (2007)

Feltrin (2007, p. 20) faz uma interessante analogia do professor com um semeador. O semeador, além de lançar as sementes, deve “suar, carpir, limpar, sempre, até o fim, até a colheita”. E o professor? Para colher seus “frutos” deve enfrentar uma série de obstáculos: aluno, escola, sistema, sociedade, a falta de recursos, a desvalorização, a família entre tantas outras “pedras no meio da colheita” ou do “caminho”. A educação especial tem trazido ao professor algumas preocupações. As “pedras no caminho” a que Feltrin se referia faz parte do cotidiano dos professores. E o problema não são os alunos, como pode parecer, mas sim a falta de preparo dos docentes para atender com qualidade os alunos especiais. Sem formação não há ensino adequado. Conforme Freire (1997, p. 20) “ensinar exige risco, aceitação do novo e rejeição a qualquer forma de discriminação”, ou seja, é mister afirmar que ensinar exige conhecimento do outro, mesmo que este outro seja diferente. Mas, será que a formação inicial prepara o professor para atender alunos diferentes, especiais, deficientes, ou seja qual o nome que tenham os alunos fora dos padrões de normalidade, conforme o ponto de vista da cultura dominante? Quem forma o professor para atender alunos especiais 5. A partir da Constituição de 1988, ao determinar que a educação seja um direito de todos, inclusive dos alunos com deficiência, sendo estes atendidos “preferencialmente” na rede regular de ensino, tornou-se necessária a formação dos professores da sala comum, uma vez que toda e qualquer formação na área de educação especial era voltada exclusivamente para o professor especializado. Então, já na LDB de 1996, estava assegurada formação específica para os professores do ensino regular. Para Saviani (2009) embora a LDB tenha contemplado a Educação Especial, inclusive dedicando um Capítulo para ela e definindo-a como uma modalidade de ensino, deixa em aberto a questão da formação docente. Conforme o Artigo 59, Inciso III, o Poder Público assegurará aos alunos especiais “professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração desses educandos nas classes comuns”. Mas, quem seriam estes professores? Uma das alternativas deveria ser a de modificar a matriz curricular do curso de Pedagogia e incluir disciplinas voltadas para esta temática. Porém, isso não foi feito. Segundo Saviani (2009, p. 153) “a Resolução CNE/CP 1, de 2006, que definiu as diretrizes curriculares nacionais para o curso de Pedagogia toca na questão da Educação Especial de passagem e apenas duas vezes”. A saber, Artigo 5º, Inciso X e Artigo 8º, Inciso III, da Resolução nº 01/2006, que institui as Diretrizes Curriculares para os cursos de Pedagogia:

X - demonstrar consciência da diversidade, respeitando as diferenças de natureza ambiental-ecológica, étnico-racial, de gêneros, faixas geracionais, classes sociais, religiões, necessidades especiais, escolhas sexuais, entre outras; (Art. 5º, grifo nosso)
III - atividades complementares envolvendo o planejamento e o desenvolvimento progressivo do Trabalho de Curso, atividades de monitoria, de iniciação científica e de extensão, diretamente orientadas por membro do corpo docente da instituição de educação superior decorrentes ou articuladas às disciplinas, áreas de conhecimentos, seminários, eventos científico-culturais, estudos curriculares, de modo a propiciar vivências em algumas modalidades e experiências, entre outras, e opcionalmente, a educação de pessoas com necessidades especiais, a educação do campo, a educação indígena, a educação em remanescentes de quilombos, em organizações não-governamentais, escolares e não-escolares públicas e privadas. (Art. 8º, grifo nosso)

Percebe-se, segundo Saviani, a forma genérica com que é colocada a formação docente voltada para a educação especial e faz um alerta, ao afirmar que “será necessário instituir um espaço específico para cuidar da formação de professores para essa modalidade de ensino”. Sem isso, continua Saviani, esta área continuará à deriva, como sempre foi e de nada adiantará a “modernidade” da lei sem a garantia da formação adequada para todos os professores.

E o que dizem os professores?

As entrevistas foram realizadas com dez professores que atuam em salas de aula inclusivas do 6º ao 9º Ano do Ensino Fundamental. As perguntas foram distribuídas em duas temáticas: Inclusão e Formação Docente. Ao iniciar as entrevistas alguns professores demonstraram certa inquietação quando foi citada a palavra inclusão. Alguns disseram, logo no início, que poderiam não saber responder às perguntas sobre este tema. Foram explicitados os objetivos da pesquisa e, de certa forma, os professores demonstraram interesse em deixar suas “vozes” registradas neste cenário dito inclusivo. Conforme demonstrou a pesquisa, a maioria dos professores veem a inclusão como um direito das pessoas que necessitem dela, sendo isso característica de um país democrático, porém, o que falta é preparar a escola para este formato.

Eu penso que a inclusão é algo bom, que surgiu para democratizar o ensino. Porém, quem inventou só esqueceu o básico: preparar a mão-de-obra, no caso, os professores. Estão todos perdidos e pedindo socorro. Dar aula hoje é complicado e a inclusão infelizmente veio complicar mais ainda. Eu me sinto culpada quando não consigo sequer saber se meu aluno entendeu a lição ou não. Eu tenho o tempo todo que pedir para o Intérprete me explicar o que o meu aluno surdo está tentando falar. Eu me incomodo com o Intérprete, não por ela, mas pelo fato da figura dela. É como se eu estivesse assinando o meu atestado de incompetência. Eu adoro meus alunos, mas não gosto de me sentir incompetente, mesmo que eu saiba que não é culpa minha. (P-10) 6

Percebe-se que, embora a professora considere a inclusão ‘algo bom’, faz uma ressalva de que faltou preparar os professores para atender os alunos especiais. Em sua fala demonstra insatisfação com seu trabalho devido a não saber lidar com um aluno surdo. Em outro depoimento, o professor demonstra sentir o peso da inclusão quando diz que toda a responsabilidade do sucesso da inclusão recai sobre ele:

A inclusão seria boa se nós, os professores, não tivéssemos que ser os “super- heróis” e ter a responsabilidade de salvar todos. A realidade não é essa, pois ninguém formou o professor, nem a faculdade, nem a Seduc preparou os professores para receber os alunos deficientes. (P-7)

Este professor aponta que as instituições formadoras, sejam elas inicial ou continuada, não atendem de forma adequada a demanda da inclusão, trazendo sérios prejuízos para estes alunos. A legislação determina que estes professores sejam capacitados para atender os alunos especiais, a Lei 9.394/96 (LDB) é um exemplo disso. Porém, os professores continuam tendo uma formação paliativa, aquela em que um vai fazer ao curso e volta para a escola com a responsabilidade de compartilhar com os demais o que supostamente “aprendeu” no curso. A questão da dificuldade em aceitar a diversidade na escola também surgiu num depoimento.

Inclusão deveria ser um momento importante para os alunos que são diferentes. Mas no dia a dia da escola aluno que é diferente sofre bullying, apanha, é discriminado. Até professor que é diferente não é respeitado pelos próprios alunos. O ser humano não está preparado para conviver com a diversidade. (P-9)

A questão da aceitação ou não daquilo que é visto como ‘diferente’ permeia os espaços escolares. Para alguns professores o melhor para o aluno deficiente é a escola especial, conforme os relatos a seguir:

Eu acho que a inclusão é bonita somente no papel, é uma utopia acreditar que um dia ela vai dar certo. Nem os alunos ditos normais conseguem aprender direito, imagina os deficientes que tem suas limitações. Eu acho que aluno com deficiência é melhor na Escola Especial, lá a equipe está mais preparada para fazer um bom trabalho. (P-8)
Para mim a inclusão é uma manobra do governo para fechar as instituições especiais. Isso é um verdadeiro absurdo. O ideal é a Escola Especial. (P-6)

Na temática Formação Docente surgiram muitas críticas ao modelo de formação existente, demonstrando a fragilidade desta área.

Com certeza é preciso preparar a escola para receber estes alunos. Mas é preciso capacitar bem, pois eu já participei de cursos que deixaram a desejar, saí de lá com a sensação de que estavam me enganando e fazendo eu perder meu tempo.(P-9)
Preparar a escola, desde o portão até a cozinha. Não só o professor que tem que ser formado. (P-6)
Formação é o primeiro passo; condições é imprescindível; reconhecimento e valorização salarial.(P-4)

Embora hajam muitas críticas a respeito do modelo de formação atual, os professores admitem que uma boa formação é um passo importante para que o seu fazer pedagógico tenha mais qualidade, segundo o próximo relato:

FORMAÇÃO. Esta é a chave. Depois que comecei a dar aula para os surdos eu comecei a questionar por que eu não aprendi isso na faculdade? Parece que a faculdade prepara a gente para uma escola irreal, de faz de conta, que só existe nos livros. Foi um choque ver que nem tudo são flores na educação. (P-10)

Considerações Finais

A inclusão ainda é um tema gerador de inquietações por parte dos professores. Desta forma, a formação docente é uma área que merece atenção. A inclusão tem provocado mudanças significativas na estrutura da escola, seja para promover a acessibilidade física, seja para promover a formação continuada. Sabe-se que formar professores especializados em educação especial não é algo comum na realidade brasileira. Sabe-se também da importância de se preparar os professores para o atendimento aos alunos que necessitem. Existe uma lacuna entre a formação inicial e a sala de aula e a formação é o único caminho para diminuir esta enorme distância.

Notas

2 Constituição Federal, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm Acesso em: 3/ jun/ 2013.
3 LDB nº 9394/96, disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm Acesso em: 3/ jun/ 2013.
4 Diretrizes Curriculares Nacionais, disponível em:<http://portal.mec.gov.br/cne/arquivos/pdf/009.pdf>
5 O uso da palavra “Alunos Especiais” será utilizada neste trabalho para se referir a alunos com algum tipo de deficiência física, sensorial, cognitiva ou transtorno global do desenvolvimento.
6 Os professores que participaram da pesquisa terão seus nomes substituídos pela letra P = Professor e pela numeração de 1 a 10, conforme a ordem dos questionários.

Bibliografia

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SAVIANI, Dermeval. Formação de professores: aspectos históricos e teóricos do problema no contexto brasileiro. Revista Brasileira de Educação, v. 14, n. 40 jan./abr. 2009.

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TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 4ª Ed. Rio de Janeiro: Vozes, 2002.

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