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Inclusão/Exclusão de alunos surdos na escola regular
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Publicado em 2009
VI Congresso Internacional de Educação - Educação e Tecnologia: sujeitos (des)conectados?. São Leopoldo: Casa Leiria. p.920-921
Pedro Henrique Witchs
Vanessa Scheid Santanna de Mello
Deise Maria Szulczewski
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Resumo

Apresentar a surdez como diferença linguística, portanto, uma diferença cultural, tem sido um dos principais desafios enfrentados pelos surdos. Embora a comunidade surda brasileira tenha conquistado direitos como, por exemplo, o reconhecimento da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS – como língua oficial, o discurso clínico-terapêutico permanece presente na educação dos surdos incluídos em escolas regulares, reproduzindo uma surdez sustentada apenas por uma ausência da audição que necessita ser reabilitada. Este artigo objetiva documentar três casos de inclusão de alunos surdos em escolas regulares da rede básica municipal da região do Vale do Rio dos Sinos, Rio Grande do Sul, Brasil. Fundamentado em autores como Skliar (2001), Perlin (2001), Lopes (2007), Dorziat (2009), entre outros, o artigo apresenta um resgate dos propósitos da inclusão escolar de surdos e discute a importância da escola especializada na educação desses sujeitos, bem como a importância da língua de sinais para o desenvolvimento dos alunos. Através de uma análise em questionários aplicados com as professoras dos três alunos surdos e de anotações em diário de campo, percebeu-se que, em dois dos três casos, há falta de entendimento sobre a surdez, como também uma associação das dificuldades de comunicação dos alunos com distúrbios cognitivos. Além disso, é possível identificar práticas ouvintistas, em todos os três casos, que atuam, muitas vezes subliminarmente, de forma a normalizar a identidade desses alunos.

Introdução

No passado, o foco da educação dos surdos era treiná-los para que eles se parecessem com os ouvintes. O Oralismo enquanto principal tendência educacional da época defendia a ideia de que os sinais atrasavam o desenvolvimento intelectual dos surdos e que estes deveriam aprender a se comunicar através da fala. O principal erro cometido pelo Oralismo foi concentrar o povo surdo em um mesmo espaço para aplicar essas práticas colonialistas. Dentro de escolas especializadas na educação oralista, os surdos se reuniam e desenvolviam sua língua natural, construindo fragmentos do que viria a se tornar a comunidade surda. Comunidade esta consolidada hoje por uma forte cultura. Atualmente, a escola de surdos propõe desenvolver as capacidades de seus alunos valorizando a surdez em seu viés cultural. No entanto, as políticas públicas de inclusão ameaçam o trabalho das escolas especializadas na educação de surdos, orientando famílias a matricularem pessoas com deficiência preferencialmente em escolas regulares. A surdez, quando vista pelos olhos da maioria ouvinte que a considera apenas como uma deficiência, se torna alvo dessas políticas que colocam em risco a cultura surda.

Ao olharmos para a surdez presente nessas escolas regulares, enxergamos alunos surdos retratados apenas pela ausência de sua audição, sendo regulados para permanecerem em um estado de reabilitação e de normalização constantes. Portanto, elaboramos este artigo que compõe as produções de uma pesquisa maior, “A Educação de Surdos no Rio Grande do Sul” 4. Neste nosso recorte da pesquisa, tentarmos entender essas situações de inclusão, de forma a fazer um resgate dos propósitos da inclusão escolar de alunos surdos na escola regular e defender a importância da escola de surdos. Não temos intenção de declarar guerra à inclusão, mas colocá-la sob suspeita; problematizá-la. Ao olharmos com estranheza para a inclusão de alunos surdos nas escolas regulares, podemos considerar diversas possibilidades e impossibilidades que, articuladas à constituição de sujeitos e às relações de poder, moldam formas de ser e de agir.

O texto está organizado como segue: na primeira seção, são discutidos aspectos gerais sobre a inclusão escolar de surdos; na segunda seção, apresentamos as situações dos surdos incluídos em escolas regulares; e para concluir, na terceira seção, constam nossas considerações sobre os casos abordados ao longo do texto.

Aspectos gerais sobre a inclusão escolar de surdos

Para falarmos sobre a inclusão de surdos na escola regular, precisamos retomar os objetivos dessa tendência e trabalhar uma análise junto aos discursos que permeiam na e com a “Lei da Inclusão” ao longo dos anos. Nesta seção, serão discutidos aspectos gerais sobre a inclusão de alunos surdos na escola de ensino regular. Para tanto, traçaremos uma linha condutora que perpassará por desde questões jurídicas até propostas curriculares de teóricos que abordam esse tema.

Com intuito de demarcar o território e a relação da diferença, a inclusão enquanto invenção moderna da sociedade disciplinar (LOPES, 2007a) tornou-se alvo dos olhares desconfiados de autores que problematizam sua aplicação no campo educacional. De forma a regularizar a demanda escolar nos padrões da inclusão, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação do Brasil (LDB, 1996) passa a apresentar os educandos portadores de necessidades especiais em seu capítulo referente à Educação Especial. Neste caso, as necessidades educativas especiais estão limitadas, pela lei, ao fator deficiência, ignorando a possibilidade de alunos sem deficiência terem essas necessidades. De acordo com essa lei, os alunos com deficiência devem ser matriculados preferencialmente em escolas da rede regular de ensino.

Evidente que a lei entendeu por inclusão uma inserção de alunos com deficiência no espaço da escola regular sem ter levado em conta as especificidades das diferenças desses alunos na interface sócio-cultural. Suas atribuições não atingem o currículo escolar, que, neste contexto, é entendido como a inscrição de um conjunto de conhecimentos sem neutralidade impostos pelas instituições de ensino (DAL’IGNA, 2007). Pensando em como o currículo escolar pode estar atrelado à constituição de sujeitos, Diogo (2006, p. 109) nos propõe:

Se considerarmos simultaneamente as funções sociais da escola, a diversidade dos contextos sociais e escolares e a heterogeneidade dos alunos em cada escola, somos levados a concluir que não necessitamos (apenas) de outro currículo, mas sim de um outro paradigma curricular.

Nas palavras de Diogo (2006) citadas acima despertamos a dúvida sobre como vem ocorrendo a inclusão de surdos nas escolas regulares que ostentam o codinome Escola Inclusiva e se o currículo dessas escolas contempla todas as diferenças presentes nesses espaços. Ao reconhecer, por exemplo, as particularidades diferentes que as pessoas surdas têm em desenvolver formas de organização de acordo com suas capacidades visuais-gestuais – constituindo, assim, o que consideramos cultura surda (DORZIAT; LIMA; ARAÚJO, 2009) – entendemos que a inclusão de alunos surdos em escolas regulares requer movimentos pedagógico-curriculares que sustentem o desenvolvimento desses alunos. Retornando aos aspectos jurídicos, no que diz respeito à inclusão escolar de alunos surdos, o Decreto nº. 5.626 de 2005 atribui às instituições federais de ensino responsáveis pela educação básica o dever de garantir a inclusão de alunos surdos na Educação Infantil e nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental em escolas e classes de educação bilíngue.

Ao mesmo tempo em que as ideias da Comunicação Total 5 estavam em pleno vapor no Brasil, começam as pesquisas sobre a abordagem educacional com bilinguismo (SÁ, 1999). Com o entendimento de que a surdez é uma diferença cultural que possui sua própria língua gestual-visual, sua forma de aprender e entender o mundo diferente da forma ouvinte, Kyle (1999) defende a ideia de que toda criança surda deveria ser bilíngue. Para ele, o desenvolvimento escolar dos surdos só será efetivo se a língua de sinais for aceita como língua materna ou primeira língua. Na filosofia educacional bilíngue aplicada à Educação de Surdos, a língua falada no país é ensinada como segunda língua na modalidade escrita e, caso o aluno quiser, individualmente, na modalidade oral (JOKINEN, 1999). Com o surgimento do Bilinguismo para Surdos, a língua de sinais, portanto, passa a ser utilizada no ensino de todas as áreas de saberes. Contudo, Dorziat (1999) alerta que o Bilinguismo não deve ser restrito ao uso da língua de sinais. Para a autora, o Bilinguismo deve estar atrelado ao Biculturalismo, pois as práticas educativas que permanecem direcionadas às maiorias, ignorando o sujeito que está aprendendo, se tornam práticas colonialistas. Ao abordar essas práticas colonialistas no âmbito dos Estudos Surdos, Skliar (2001, p. 15) determina o Ouvintismo como:

[...] um conjunto de representações dos ouvintes, a partir do qual o surdo está obrigado a olhar-se e a narrar-se como se fosse ouvinte. Além disso, é nesse olhar-se, e nesse narrar-se que acontecem as percepções do ser deficiente, do não ser ouvinte; percepções que legitimaram as práticas terapêuticas habituais.

Tais práticas terapêuticas trabalham com base no conceito de corpo danificado que precisa ser reabilitado, normalizado, trabalhado no ponto de vista do sujeito normal ouvinte (PERLIN, 2001). O Ouvintismo fortalece o atendimento clínico-terapêutico e este último impede o processo de desenvolvimento de uma identidade surda. Esse atendimento clínico-terapêutico está presente no currículo oculto das escolas inclusivas que atendem os alunos surdos que serão apresentados na próxima seção deste texto.

As situações dos surdos incluídos em escolas regulares

Para localizar as escolas regulares que atendem alunos surdos, o que compreendeu a primeira parte da pesquisa – de cunho quantitativo – fizemos contato com Coordenadorias Regionais de Educação do Estado e com Secretarias Municipais de Educação. Essas entidades receberam uma planilha para preencher informações como, por exemplo: responsável pela coleta de dados, período da realização da coleta, região de abrangência, cidade, nome da escola e endereço, âmbito escolar, modalidade de ensino, número de alunos, número de professores ouvintes e de professores surdos, intérpretes de LIBRAS, etc. Em um segundo momento – parte qualitativa da pesquisa – agendamos visitas com essas escolas para aplicar questionários com os gestores, com os professores que atendem os alunos surdos e, se possível, com os alunos surdos.

Nosso foco, neste recorte, está nos questionários contendo vinte e três questões que foram aplicados com quatro professoras que atendem três alunos surdos incluídos em escolas regulares. Além dos questionários, para reportar um depoimento mais fidedigno, utilizamos anotações em diário de campo do que as professoras relataram sobre seus alunos e do que foi observado em sala de aula. As escolas apresentadas neste recorte são três escolas da rede básica municipal da região do Vale do Rio dos Sinos. Cada uma dessas escolas atende um aluno surdo incluído em uma classe regular dos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. No entanto, a primeira questão relevante que podemos informar é que o decreto que atribui a essas instituições o dever de garantir que esses alunos recebam uma educação bilíngue não tem sido efetuado na prática. Nenhum dos alunos frequenta uma escola ou uma classe de educação bilíngue.

Ao conhecer os três alunos que serão abordados ao longo deste artigo, decidimos não aplicar o questionário para alunos surdos com eles, pois seus entendimentos linguísticos eram muito iniciais e qualquer interpretação nossa ou dos professores poderia ser uma influencia nas suas respostas. De agora em diante, utilizaremos a seguinte nomenclatura para nos referir a esses alunos: Aluno 1 (A1), Aluno 2 (A2) e Aluno 3 (A3).

Dentre os três alunos, A1, o único que teve contato com a língua de sinais, possui um implante coclear – “equipamento eletrônico computadorizado que substitui totalmente o ouvido de pessoas que têm surdez total ou quase total” (BENTO, 2006 apud ELERT, 2008, p. 15) e está matriculado na 1ª. série do Ensino Fundamental. De acordo com a professora de A1 (P1), o aluno teve contato com a LIBRAS em uma escola especializada na educação de surdos onde frequentou a Educação Infantil antes do implante coclear. Pelo fato do implante ser recente, A1 mantém a comunicação gestual-visual, além de começar a aprender a língua portuguesa na modalidade oral-auditiva. Para poder interagir com ele, P1 – por conta própria – aprendeu a LIBRAS.

Segundo Caldas:

É indispensável a utilização de estratégias visuais pelo professor para o ensino do aluno surdo. O surdo tem direito de aprender e opinar em língua de sinais, sendo assim o professor deve ser fluente em Libras para poder entender o que seu aluno quer dizer. Se houver uma relação de troca entre professor e aluno, ele vai se conhecendo como sujeito, conhecendo sua identidade, sua cultura e descobrindo quem realmente ele é. (2008, p. 146)

Em um primeiro instante, podemos pensar que essa seria uma abordagem bilíngue. Entretanto, a LIBRAS não é, neste caso, a primeira língua da classe. O Português é a língua primordial e a LIBRAS é utilizada apenas para comunicação entre aluno e professora. Esta situação nos remete à década de 80, quando as ideias da Comunicação Total no Brasil estavam aflorando e esta era a principal tendência na Educação de Surdos (SÁ, 1999). A língua de sinais, neste contexto, está sendo utilizada como uma metodologia de ensino; uma ferramenta para que A1 possa progredir em outras áreas do conhecimento, bem como na aquisição da língua portuguesa. Embora P1 se preocupe em aprender a língua utilizada por A1, não parece ser seu objetivo zelar pela identidade surda do aluno, mencionada nas palavras de Caldas (2008). Até porque não parece ser objetivo da família de A1 que ele permaneça surdo, pois ele teve chances de frequentar uma escola especializada na educação de surdos, mas as decisões pelo implante coclear e pela transferência para a escola regular prevaleceram. É importante salientarmos que A1 frequenta, uma vez por semana, uma sala de apoio pedagógico. A professora que atende A1 nessa sala também utiliza LIBRAS para se comunicar com ele.

Todo o empenho que encontramos para que a inclusão de A1 aconteça não foi encontrado na situação em que encontramos A2. Promovido para a 2ª. série do Ensino Fundamental, A2 não é usuário da LIBRAS e utiliza aparelho auditivo por uma recomendação da escola. Embora a escola tenha recomendado a utilização do aparelho, as duas professoras que atendem A2 (P2a e P2b, que só frequenta a sala de A3 uma vez por semana) admitem desconhecer o nível da falta de audição do aluno e atribuem distúrbios cognitivos à falha na comunicação pouca exercida por ele. As professoras também demonstram, ao longo do questionário, desconhecer qualquer abordagem sobre a educação de surdos e, até mesmo, qualquer fundamentação teórica sobre a cultura e a comunidade surda. Contudo, quando se referem ao comportamento indisciplinado de A2, a lógica da deficiência é esquecida, como podemos notar na fala de P2a registrada em diário de campo: “Eu digo para os alunos: aquele ali de surdo não tem nada... Se duvidar eu sou mais surda do que ele (A2)” (P2a, 2009).

Em alguns momentos, P2a e P2b parecem até mesmo esquecer que A2 é deficiente auditivo e que, por isso, não distingue o volume da própria voz. “Às vezes ele (A2) quer chamar atenção, começa a gritar [...] Então a gente diz pra ele: tu não é diferente de ninguém aqui” (P2b, 2009). As palavras de P2b registradas no diário de campo representam a forte tendência ouvintista do ensino regulador. Esse disciplinamento compõe o processo de adequação às normas da inclusão presente nessas escolas ditas inclusivas. Deste modo, é possível notar que “a falácia da igualdade camufla outras narrativas e poderes desiguais que mostram a discriminação e o fracasso escolar de muitos grupos culturais” (LOPES, 2001, p. 109).

Sem dúvidas, a situação de inclusão de A3 nos parece ser a mais crítica. Com 15 anos de idade, A3 também está na 2ª. série do Ensino Fundamental e, como A2, não é usuário da LIBRAS. A professora de A3 (P3) quis deixar bem claro no início de nossa conversa que “A3 não tem só o problema da falta de audição. Além dos comprometimentos mentais, ele é portador do vírus HIV” (P3, 2009). É evidente, na fala de P3 registrada no diário de campo, qual a visão que a professora tem do aluno: a imagem do humano incompleto, incapaz e impuro produzida nessa fala posiciona P3 na perspectiva do discurso biomédico (LULKIN, 2001) que trabalha sob a lógica de que a deficiência é um problema, uma limitação que precisa ser curada. No decorrer da aplicação do questionário com P3, ela também declara, como P2a e P2b, que não tem conhecimento do nível da falta de audição de A3 e atribui a origem da deficiência auditiva às condições sócio-econômicas precárias do aluno. Com as professoras de A2, P3 afirma que nada conhece sobre a cultura e a comunidade surda.

P3 nos convida para visitar a sala de aula onde A3 está incluído. Sentado no fundo da sala, A3 copia para o caderno o texto escrito pela professora no quadro-negro – a saber, um trecho de A Branca de Neve e os Sete Anões. Ao conversarmos com A3, percebemos que sua deficiência auditiva se deu após sua aquisição linguística e que ele respondia com facilidade perguntas produzidas oralmente por nós em um volume mínimo para não despertar a atenção de seus colegas. Durante a releitura coletiva do texto no quadro-negro, P3 interrompe a atividade e pede para o único adolescente presente na sala: “A3, pare de escrever e leia com a gente a historinha” (P3, 2009). Mais uma vez as práticas disciplinadoras são registradas no ambiente da escola regular, constituindo A3 como um dos sujeitos que precisam ser regulados.

Sabemos que, até mesmo dentro da comunidade surda, A1, com implante coclear; A2, com o aparelho auditivo; e A3, surdo não-usuário da língua de sinais, se localizariam na margem desta comunidade, pois a surdez, enquanto cultura articulada às relações de poder, também impõe modos de ser surdo.

De acordo com a Carta de Porto Alegre: a educação que nós surdos queremos (1999), A1, A2 e A3 podem ser considerados deficientes auditivos e não surdos. Os surdos que elaboraram esse documento, há 10 anos no Pré-Congresso ao V Congresso Latino Americano de Educação Bilíngue para Surdos, afirmaram que

[...] o deficiente auditivo usa comunicação auditiva, tendo restos auditivos que podem ser corrigidos com aparelhos; o surdo usa comunicação visual (língua de sinais) e não comunicação auditiva. (Carta de Porto Alegre: a educação que nós surdos queremos, 1999)

Neste ponto, podemos identificar uma desvantagem que acompanha esses alunos: enquanto eles não serem membros da comunidade surda, estão sujeitos a serem vistos como humanos incompletos, portadores de uma limitação que necessita ser reabilitada, curada, escondida, retirada. Para Lopes (2007b), essa surdez vista como deficiência é inventada pelas pedagogias corretivas que tentam normalizar todos que não estão no ideal de normalidade, seja a normalidade ouvinte; seja a normalidade surda.

Considerações Finais

Olhar para esses sujeitos nesses espaços, sob uma ótica da suspeita, nos revela essa face da inclusão que pode estar atuando de forma a ser excludente. Essa surdez sufocada e limitada pelo discurso da deficiência nos remete ao domínio da tendência ouvintista que ressuscita o Oralismo e desperta o desejo de ser normal. Desejo este que coloca o sujeito dentro do inventado.

O lugar da inclusão em nosso tempo ocupa o tamanho do lugar inventado para a exclusão. Quem ocupa uma das posições de sujeito consideradas adequadas, normais, almejadas por uma sociedade próspera e tecnologicamente desenvolvida, deseja que o outro esteja em uma das posições de sujeito consideradas inadequadas. Para poder estar dentro do desejado, foi preciso inventar o lado de fora. Não há fronteiras nítidas, não há regras definitivas, não há razões que sustentem a metanarrativa da inclusão diante de bons questionamentos sobre as delimitações das fronteiras. No entanto, há uma necessidade vital, considerando-se um tipo de racionalidade moderna, de que as fronteiras da in/exclusão sejam mantidas. (LOPES, 2007a, p. 18)

A visão que a maioria dos professores analisados neste texto tem sobre a língua de sinais é a de um conjunto de gestos que sustenta uma imagem folclórica dos alunos que “não falam”, mas tentam se comunicar de outras formas, tentam “chamar a atenção”. Fazendo alusão a essa inclusão que encontramos de alunos surdos na escola regular, podemos imaginar a figura do mímico incompreendido, trancafiado em sua caixa de paredes invisíveis, crente de estar dentro de algo que não existe.

Notas

4 Pesquisa produzida pelo Grupo Interinstitucional de Pesquisa em Educação de Surdos (GIPES/CNPq) que visa levantar dados sobre a situação escolar e linguística dos surdos no Estado do Rio Grande do Sul.
5 “Nesta visão, é enfatizada a comunicação como necessidade premente a ser satisfeita, subentendendo-se uma defesa da utilização de todos os recursos disponíveis para estabelecer contato efetivo com a pessoa surda [...]”. (SÁ, 1999, p. 99-100)

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