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Neiva de Aquino Albres
Neiva de Aquino Albres
Fonoaudióloga
Língua de Sinais: Processo de Aprendizagem como Segunda Língua
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Publicado em 2005
Editora Arara Azul
Neiva de Aquino Albres
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Resumo

Considerando o movimento de inclusão e a implantação de Cursos de Língua de Sinais, em parceria com o CAS, sentimos a necessidade do fortalecimento de um Grupo de Estudo para aprofundamento teórico e reflexão sobre as atividades destes Cursos. E, com a intenção de minimizar os problemas da inclusão escolar e de socializar os conhecimentos produzidos na área da educação de surdos, para acadêmicos de Letras e Pedagogia, desenvolvemos o Curso de Libras (Língua Brasileira de Sinais) na UFMS em parceria com o CAS/SED/MS. A presente pesquisa teve como finalidade a análise do processo de aprendizagem de adultos da comunidade acadêmica. Realizamos a análise a partir da interação em sala de aula e elencamos quatro categorias: 1) Registro quirológio e uso do alfabeto manual;2) Construção morfológica; 3) Construção sintática e uso da espacialidade; 4) Pertinência semântico/pragmática. Concluímos que, no Curso Básico de Libras, 120 (cento e vinte) horas, cada membro do grupo percorreu seu próprio caminho para avançar em seu processo de aprendizagem, cada qual com graus diferenciados no ritmo de avanços e de criação de estratégias para superação de dificuldades, mas há um ponto em comum: No espaço dialógico, os sentidos construídos revelam que o aprendiz se reporta a sua língua materna no processo e deve passar por um período de interlíngua.

Introdução

A presente pesquisa propõe-se a aplicação de uma metodologia de estudo sobre o processo de aprendizagem da Língua de Sinais Brasileira (Libras), como segunda língua para pessoas ouvintes. Consideramos que os cursos de Língua de Sinais, até então propostos, são embasados nos estudos de lingüística aplicada ao ensino de línguas orais, não temos, portanto necessitamos de estudos mais aprofundados sobre esse processo em se tratando de Línguas de Sinais para então construirmos metodologias de ensino mais adequadas.

Trabalhamos a partir de duas vertentes básicas – Lingüística e educação. A análise enfoca diferentes ângulos da problemática de constituição/aprendizagem de uma segunda língua espaço-visual e em se identificar como a escola se reorganiza para desenvolver esses cursos de Língua de Sinais.

Cremos que esta publicação vem preencher uma lacuna em nosso meio, quer para aprendizes ou para professores. Esperamos assim contribuir para a reflexão dos profissionais da área de educação e do público leitor em geral, visto que neste campo o questionamento é o primeiro passo na direção da melhoria da qualidade do ensino, o que afeta a todos nós e ao país.

Construção de Cursos de Língua de Sinais Brasileira

Desde 1880, o Brasil tem passado por várias propostas educacionais para surdos. A ambigüidade permanente entre oralidade e língua de sinais é evidente no decorrer da história. A Língua de Sinais já foi algo proibido na educação dos surdos, mas hoje vemos o começo de uma transformação.

Na Política Nacional de Educação Especial (1994) há proposições de “incentivo à utilização da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS), no processo de ensino – aprendizagem de alunos surdos” e “incentivo à oficialização da Libras (BRASIL, 1994: p.52-53)

Atualmente, através da Política Nacional de Educação, como um dispositivo de orientação para o encaminhamento do trabalho educacional no país, é definido como importante o ensino da Libras para crianças surdas, e o vislumbramos a construção de uma proposta bilíngüe, mas para que isso ocorra se faz necessária a capacitação dos profissionais (surdos e ouvintes) para uso fluente da Libras.

O Plano Nacional de educação indica como meta a formação de recursos humanos para ter capacidade de oferecer o atendimento aos educandos especiais

“11. Implantar, em cinco anos, e generalizar em dez anos, o ensino da Língua Brasileira de Sinais para os alunos surdos e, sempre que possível, para seus familiares e para o pessoal da unidade escolar, mediante um programa de formação de monitores, em parceria com organizações não-governamentais.” (PLANO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 2000: p. 59)

Os cursos do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos foram desenvolvidos para atender, especificamente, às peculiaridades da educação de surdos, conforme a justificativa do MEC, de que o surdo expressa e compreende uma mensagem com facilidade em língua de sinais e que seus professores, mesmos os especialistas em deficiência auditiva, ainda necessitam de estudá-la para utilizá-la em sala de aula. Assim sendo, o SEESP/MEC – propõe realizar o Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos subdividindo em três metas: 1ª Meta - Cursos de Língua de Sinais, sendo esta subdivida em 3 etapas: Formação Instrutores; Capacitação de Professores nos Estados e Professores Intérpretes de Língua de Sinais; 2ª Meta - Criação de Centro de Capacitação de Profissionais da Educação e de Atendimento às pessoas com Surdez (nas 27 unidades federadas, – CAS) e 3ª Meta – Modernização da Sala de Recurso.

Podemos considerar que a primeira meta é ousada, se levarmos em consideração que as agências formadoras de profissionais da educação (instituições de ensino superior, institutos de educação, escolas normais) não oferecem, ainda, essa formação.

Conforme a FENEIS – “aconteceu um curso em Brasília, em 2001, quando se utilizou a segunda versão, revisada e ampliada do livro “LIBRAS em Contexto” – Curso Básico de autoria do Grupo de Pesquisa de LIBRAS e Cultura Surda Brasileira da FENEIS, e que capacitou 54 surdos de todo o Brasil e, quando esses surdos, que fizeram o curso em Brasília, retornaram para seus estados, como Instrutores-Agentes Multiplicadores, levaram a missão de preparar, em média, 20 novos Instrutores de LIBRAS em cada estado.” (FENEIS, 2004)

Nessa fase de 2001 – 2002, parte do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdo, que a FENEIS, em convênio com o SEESP/MEC e em parceria com todas as Secretarias de Educação dos 27 estados e com o INES, executaram Cursos para ouvintes: Curso Básico de Libras, Cursos para Professores/Intépretes e Curso para Surdos: Metodologia para o Ensino de Libras. Esses cursos vêm utilizando o material didático produzido pela FENEIS, que foi escolhido por todas as lideranças surdas do Brasil, que trabalham com ensino de Libras e que participaram da Câmara Técnica que discutiu a proposta e aprovaram a criação do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdo.

Estamos passando por um momento de implementação de Cursos de Libras. Todavia em Mato Grosso do Sul temos percorrido esse objetivo desde 1986 quando iniciou o Curso de Língua de Sinais na área educacional com a vinda da intérprete Evelize Marlene Felisberto, de São Paulo. As professoras Maria das Graças Mattos e Shirley Vilhalva foram as primeiras a cursar, ficando responsáveis pela divulgação do mesmo. O curso de LIBRAS foi divulgado nas igrejas, escolas, faculdades e nos órgãos públicos. Antes da implantação de serviços de intérpretes, a própria professora SHIRLEY VILHALVA fazia esse trabalho, mas de forma incompleta, pois necessitava realizar a leitura labial para depois repassar a informação. Com isso muitas informações eram incompletas. Depois da implantação do serviço, o acesso à informação foi maior e com isso a Comunidade Surda teve um ganho significativo para seu crescimento lingüístico em função do intérprete ser ouvinte. (VILHALVA, 2001)

Em 1988, quando a formação do primeiro Curso de Libras na FUCMAT para os acadêmicos dos Cursos de Psicologia, Pedagogia e outros. Desde então, temos participado efetivamente de todas propostas que vislumbre o reconhecimento, regulamentação e a divulgação da Libras. Em nosso Estado, contamos com as seguintes Leis: Lei nº2.997 de 10/11/93 ficou reconhecida a Libras no município de Campo Grande, pelo então Presidente da Câmara dos Vereadores Márcio Matozinho dos Santos. A credibilidade do trabalho do profissional intérprete vem sendo conquistada desde o atendimento na justiça, DETRAN, e outros departamentos públicos; Em 1996 ficou reconhecida a LIBRAS no Estado de Mato Grosso do Sul, através da Lei nº1693 de 12/09/1996, por intermédio do Deputado Estadual Maurício Picarelli.

Através da Língua de Sinais, que é uma língua completa, com estrutura independente da Língua Portuguesa oral ou escrita, é possível o desenvolvimento cognitivo do indivíduo surdo, favorecendo o seu acesso a conceitos e conhecimentos que se fazem necessários para sua interação com o outro e o meio em que vive, suas dúvidas e temores perante o mundo diminuem e o prazer de viver com os ouvintes aumenta de forma viva na comunicação. Tudo que o Surdo almeja é sentir mais segurança neste mundo onde a língua falada causa estranheza, relembrando que a comunicação deles é mais visual. Temos a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002 que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais – Libras:

Art. 1° É reconhecida como meio legal de comunicação e expressão a Língua Brasileira de Sinais - Libras e outros recursos de expressão a ela associados. Parágrafo único. Entende-se como Língua Brasileira de Sinais - Libras a forma de comunicação e expressão, em que o sistema lingüístico de natureza visual-motora, com estrutura gramatical própria, constituem um sistema lingüístico de transmissão de idéias e fatos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do Brasil.

Assim as pessoas ouvintes podem aprender a Língua de Sinais como segunda Língua.

Como Aprendemos uma Segunda Língua ?

A aprendizagem de uma segunda língua pode ocorrer de diversas formas:

  • Aquisição bilíngüe da linguagem, ou simultânea, ocorre, por exemplo, quando crianças ouvintes, filhas de pais surdos usuários de Língua de Sinais, ficam expostas precocemente ao fenômeno social do input lingüístico, língua de sinais em situações com os pais surdos e língua oral de seu país com os avós ou familiares ouvintes. Mas pode ocorrer um prejuízo para essa criança ouvinte que só convive com os pais surdos, geralmente apresentam atraso no desenvolvimento da linguagem (língua oral). Os pais surdos que utilizam a Língua de Sinais para falar com seus filhos a respeito de conhecimento social e normas culturais, e as crianças absorvendo grande parte destes conceitos podem não apresentar necessariamente um atraso no desenvolvimento cognitivo, pois a língua de sinais desenvolve a função de instrumento do pensamento no lugar da linguagem oral. Consideramos que estas proposições ainda necessitam serem investigadas, pois lançamos aqui uma nova esfera para discussão.
  • Aquisição da linguagem, relacionada a vivencia social com surdos, as condições gerais de exposição são na família, Igreja, Associações de Surdos, escolas de surdos, entre outros. Essa socialização ocorre nos aspectos sutis e indiretos da própria interação lingüística. Para Kemp (2001) há um conjunto de fatores emocionais que desencadeiam a motivação interferindo diretamente na aprendizagem interesse (implícito).
  • Aprendizagem da Língua de Sinais, de forma sistemática se dá em curso de línguas de sinais, geralmente ministrado por professores surdos que sejam pessoas bilíngües, conforme indica a FENEIS (2004). Como então, pessoas ouvintes adultas aprenderiam a Língua de Sinais? Através de cursos e língua sinais e/ou convívio com a comunidade de surdos. Este trabalho que hora apresentamos tem como foco analisar o processo de aprendizagem de pessoas ouvintes, que já na fase adulta se matriculam nos Cursos de Língua de Sinais, portanto esta população vai passar por um ensino sistemático da língua.

Há diversas metodologias de ensino de segunda língua, observamos na proposta do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos e pela produção do material didático denominado “LIBRAS em Contexto” características do método funcionalista e de Lingüística Contrastiva, geralmente trabalham com o conhecimento explicito no ensino de segunda Língua. Envolvem a comparação entre duas ou mais línguas quanto aos níveis fonológico, morfológico e sintático, semântico/pragmático.

Propusemo-nos a compreender as principais características do processo de aprendizagem de segunda língua de modalidade espaço-visual por pessoas ouvintes; a investigar quais os problemas que os alunos enfrentam e quais as causas dos mesmos, estudando com cuidado as produções realizadas e as hipóteses levantadas por eles.

Pretendeu-se contribuir para a melhoria do ensino de Libras para adultos ouvintes, pois, a partir dos dados aqui encontrados, os professores de Libras poderão aprimorar seu ensino e estratégias de intervenção.

A Construção do Estudo

Utilizaremos a “análise microgenética” enquanto abordagem metodológica que está inscrita numa interpretação histórico-cultural e semiótica dos processos humanos, neste principalmente na construção de sentidos de uma segunda língua. “Articula o nível microgenético das interações sociais com o exame do funcionamento dialógico-discursivo”. (GÓES, 2000)

De um modo geral, trata-se de uma forma de construção de dados que requer a atenção a detalhes e o recorte de episódios interativos, sendo o exame orientado para o funcionamento dos sujeitos focais, as relações intersubjetivas e as condições sociais da situação, resultando num relato minucioso dos acontecimentos. (...) A análise microgenética pode ser o caminho exclusivo de uma investigação ou articular-se a outros procedimentos, para compor, por exemplo, um estudo de caso ou uma pesquisa participante. (ibid, p.1)

Portanto realizamos observação direta, analisando a interação dos alunos(as) no momento de aula e de suas produções sinalizadas, anotando em caderno de campo (ficha de avaliação processual individual) para a elaboração de relatório semestral do desempenho individual dos alunos, como também uma atividade escrita com exercícios de alfabeto manual e de atribuição de sentidos da Língua de Sinais.

A análise das produções contribuiu para a classificação dos elementos constitutivos e o reagrupamento baseado em analogias, pensamos em algumas categorias, como:

  1. Registro quirológio e uso do alfabeto manual;
  2. Construção morfológica;
  3. Construção sintática e uso da espacialidade;
  4. Pertinência semântica/pragmática.

O grupo foi constituído por 20 indivíduos ouvintes, de ambos os sexos, com idade variável entre 20 e 35 anos, matriculados no Curso Básico (120 horas) do Curso Libras em Contexto do Programa Nacional de apoio à Educação de Surdos/ MEC, participantes da comunidade acadêmica da UFMS, principalmente do Curso de Letras e Pedagogia, em aulas que aconteceram uma vez por semana, mais especificamente aos sábados pela manhã no ano de 2004 com as instrutoras Regina Célia Rocha e Shirley Vilhalva e com a professora Neiva de Aquino Albres, contemplando conteúdos práticos (uso da língua) e teóricos (histórico e aspectos lingüísticos, entre outros).

Acreditamos que, ao analisar o desenvolvimento das produções de ouvintes aprendizes de língua de sinais como segunda língua, possamos chegar a diferentes tendências de proposta de ensino e intervenção das dificuldades dos ouvintes no processo de aprendizagem.

Impressões Sobre a Produção dos Alunos Ouvintes

As questões que nos direcionaram foram: Quais as principais dificuldades dos ouvintes adultos aprendizes de Língua de Sinais como segunda língua? Quais as hipóteses que levantam? Qual o processo que percorrem para o desenvolvimento da competência lingüística em Língua de Sinais?

1) Registro quirológio e uso do alfabeto manual:

O registro querológico3 é um ato físico de produção do sinal por meio de interação, onde há configurações de mão, ponto e articulação, da amplitude e continuidade do movimento e expressões não manuais. Comparamos a configuração precisa da mão, região de contato, intensidade do movimento, continuidade do movimento, expressão facial e corporal com a voz e articulação das línguas orais-auditivas. A sinalização é acompanhada do movimento, fazendo tornar-se melódico, agradável, fluente e visualmente coerente.

Um registro quirológico competente em Língua de Sinais Brasileira requer um controle neurofisiológico altamente integrado. Os aspectos envolvidos neste registro são anatomo-fisiológicos, psicossociais e ambientais.

Podemos considerá-lo individual, um traço da personalidade, com amplas variações dentro de um mesmo grupo, explicando, assim, a heterogeneidade encontrada nos usuários da Língua de Sinais.

Comparando a voz, consideramos que ela representa nossa identidade, através dela expressamos nossa emoção e motivação, permitindo a aproximação e empatia com os interlocutores. Ferreira (1998) discute que “[...] independe das palavras escolhidas para expressar os pensamentos, é um componente essencial da capacidade do indivíduo de se ajustar às situações sociais para fazer bom contato e manter o equilíbrio em relação à audiência, seja com uma pessoa, seja com muitas”.

Constatamos que quando o aluno do Curso de Libras se colocava como referência da roda (organização da sala), onde todos os alunos fitavam os olhos e ele deveria se expressar, o receio da avaliação lhe instaurava um momento de ansiedade e a expressão ficava trêmula, a instrutora tentando sempre amenizar a situação produzia sinal de /CALMA/ para incentivar a participação do aluno.

Verificamos alguns estímulos que diminuíram o registro quirológico compreensível. O sistema de feedback funciona utilizando múltiplos canais de sentidos, principalmente o visual e auditivo nos revela as atitudes do interlocutor. Sabemos que a retroalimentação existe e é bastante ativa. Constatamos que quando o aluno, em pé à frente de muitas pessoas que não são conhecidas, obtinha a eliminação completa da naturalidade, podendo desenvolver um registro não tão agradável, pelo mesmo sistema de retroalimentação ao verificar a resposta favorável/compreensão dos interlocutores adaptava-se à situação e voltava à normalidade.

Essa constatação tem implicações significativas. Uma delas é que a produção do registro teria uma interferência perceptiva do meio e não tanto de falta de condições de produzir conforme a norma. Quanto mais brusco e intercortado for ao registro quirológico, menos agradável será aos olhos do interlocutor.

Em uma das primeiras aulas a instrutora (surda) apresentou o alfabeto manual, os acadêmicos que tiveram sua primeira experiência às vezes socavam a letra do alfabeto no ar para frente como se estivessem gaguejando ou davam um espaço muito grande esticando o braço para frente como se estivessem gritando.

Os alunos geralmente confundem o F com T, A com S, pois as configurações de mãos são muito próximas, os alunos que convivem com os surdos em outros ambientes, além do espaço de curso superam essa dificuldade mais rápido.

A instrutora interferiu apresentando um esquema de setas. A elaboração das dicas com setas facilitou o registro (memória) do alfabeto manual. Apresentamos alguns exemplos:

A = ↑ polegar F = ↑ polegar (para dentro da palma) Q = ↓ indicador
S = ↑ polegar T = ↑ polegar (para fora da palma) G = ↑ indicador

OBS: a seta indica a direção do dedo

O Registro quirológico compreensível consiste na projeção dos sinais anteriorizada, flexibilidade com expressões de ênfase e sutilezas, geralmente os alunos se preocupavam com a configuração de mão e se esqueciam das expressões não manuais, como: sobrancelhas franzidas ou levantadas, lance de olhos, ou levemente cerrados, lábios contraídos, entre outros como aponta (BRITO, 1995). Para Freeman, Carbin e Boese (1999-p.163) “tudo que uma língua falada pode fazer com volume, tonalidade, entonação e outras características, as línguas de sinais fazem com o espaço e movimento.”

Há outro ponto interessante na produção dos primeiros sinais, observamos a dificuldade relacionado ao ponto de articulação preciso e a direção do sinal, por exemplo no sinal de /BOM/ /DIA/, alguns alunos produziam o /BOM/ (extensão simultânea de todos os dedos de uma das mão em frente à boca) no ponto abaixo do queixo, outros tinham dificuldades na direção do /DIA/ para direita ou para esquerda.

2) Construção morfológica:

“A morfologia é o estudo da estrutura interna das palavras ou dos sinais, assim como das regras que determinam a formação das palavras”. (QUADROS, KARNOPP, 2004: p. 86) Procuramos observar como os aprendizes de língua de sinais desenvolviam o processo combinatório de morfemas quando queriam se comunicar e como interpretavam os sinais de seu interlocutor (recepção).

Geralmente, os alunos questionavam por que determinado sinal é produzido de forma específica e não de outra forma, parece que sempre buscavam uma explicação lógica ou uma relação icônica. Mas, a iconicidade ou arbitrariedade dependem dos falantes da língua, “toda arbitrariedade é convencional, pois quando um grupo seleciona um traço como característica do sinal, outro grupo pode selecionar outro traço para identifica-lo” (QUADROS, KARNOPP, 2004: p. 32)

Góes (1999) ressalva que o falante nativo não percebe o componente de sinalidade da língua. Apenas, no início da aprendizagem de uma língua estrangeira, o indivíduo percebe este traço de sinalidade, substituindo-o mais tarde, quando domina a língua, pelo signo. Ao observar este processo, constatamos que os alunos ficavam preocupados e visão fixada nas mãos do interlocutor e não na face, como comumente falantes fluentes o fazem, depois de aproximadamente 4 meses passam a intercalar o olhar ora nas mãos ora na face do interlocutor, ainda no curso básico não produziram um diálogo com o olhar fixo apenas na face do interlocutor no momento da produção.

Referente aos aspectos morfológicos podemos citar como exemplo ao uso do plural, pois os alunos geralmente recorriam ao sinal /MUITO/, não fazendo uso do movimento contínuo que por si só expressaria a referência de que este sinal é plural, mas na recepção compreendiam facilmente a intenção de seu interlocutor (instrutor)em expressar a idéia de plural.

3) Construção sintática e uso da espacialidade:

Devemo-nos lembrar que a Libras é uma língua espaço-visual e para construção de uma enunciação há uma cadeia (seqüência) de representação sígnica, localização interna do sinal, construção dêitica, processo anafórico, construção ideária, mímica, flexão verbal adequada. Observamos que os alunos fazem a transferência de elementos lingüísticos da L1 para a L2, que ocorre principalmente nos três primeiros meses de aprendizagem, depois das primeiras aulas sobre sintaxe os mesmos já se policiam na hora da produção. “Há uma provável transferência de regras de uso da língua materna para a língua alvo, ocasionado a formação de regras inapropriadas do ponto de vista da Libras, mas justificáveis na interlíngua do aprendiz que fórmula e reformula regras no processo de aprendizagem de L2.” (LIMA, 2002)

A principal dificuldade encontrada foi a referenciação espacial na construção da narrativa, ou seja, a organização dos pontos locais para identificar os personagens. Os alunos geralmente sobrepõem os personagens. A produção da localização, ou melhor, “a orientação é o ponto central dos sistemas pronominais das línguas de sinais” (BRITO, 1995). Usa-se a localização como um componente interno da estrutura de um sinal e como parte do espaço construindo a estrutura lingüística. A construção dêitica também utiliza essencialmente o espaço e consiste na repetição de uma palavra, no princípio de diferentes enunciados (pronomes pessoais e demonstrativos), Quadros (1997) orienta que deve-se usar a localização real dos participantes conversacionais e dos referentes de objetos.

Consideramos que por conta da diferença de modalidade das línguas, as línguas orais auditivas seguirem o princípio de simultaneidade, ou seja, os vocábulos serem organizados seqüencialmente, há uma linearidade de sons; já as línguas de sinais por serem produzidas pela combinação de componentes que ocorrem simultaneamente, ou seja, um sinal é produzido por uma ou duas mãos numa determinada configuração, estes valores ocorrem no tempo (KLIMA E BELLUGI, 1979 apud PEREIRA, 1993)

Outra questão da sintaxe, observada em nossos alunos, foi a flexão verbal, pois os mesmo praticamente produziam os verbos em suas formas congeladas, como no infinitivo ou principalmente concordando com a primeira pessoa do singular, mesmo que sua enunciação referisse à outra pessoa do discurso. Na concordância verbal em LIBRAS ocorre uma concordância espacial, dependente dos referentes. “Um verbo com concordância pode ser a própria sentença” (QUADROS, 1997). A flexão relacionada ao tempo é indicada pelo ponto de sinalização no corpo, exemplo: mais a frente do corpo pode indicar futuro, ou é produzido um sinal composto: /AMANHÃ/ + verbo. (BRITO, 1995)

O processo anafórico ou shifting consiste na referenciação feita a partir da apontação na direção do interlocutor ou leve deslocamento do enunciador para o ponto de referência que ele passa a incorporar, assumindo a postura de primeira pessoa “eu”, podendo-se utilizar trejeitos que a identificam e o caracterizam. (BERNARDINO, 2000). Na construção ideária e mímica é realizada uma reconstituição de uma cena, onde constroe-se uma imagem mental do espaço, e respeitá-la na sinalização. Há uma convenção para o posicionamento dos objetos, antes de manuseá-lo demonstra-se a marcação deste espaço (contornando-o com as mão ou demonstrando sua função), toda construção ideária é permeada pela mímica, procurando desenvolver a ação apresentando seus mínimos detalhes.

Estes dois últimos processos, o processo anafórico e de construção idearia, são altamente complexos e não foram verificados, no âmbito da produção espontânea por nenhum de nossos aprendizes, até o presente momento (5 meses de curso) fizeram uso desse elementos em atividades orientadas, quando a instrutora demonstra ou apóia os trabalhos em grupo para apresentação de histórias. Mas consideramos que para a recepção esses elementos facilitam os alunos apreender e interpretar a mensagem de seu interlocutor.

4) Pertinência semântico/pragmática:

A semântica é o estudo do sentido das palavras de uma língua. Concebemos que significante e significado são indissociáveis no âmbito dos falantes da língua. O campo de significação está inteiramente relacionado com o intercurso de sentido. “Todas as relações de contexto são base ou contribuem e interferem na relação da significação e do uso” (FERNANDES, 1994)

Os aprendizes de Língua de Sinais, na relação dialógica, vão construindo seus sentidos.

Há alguns pontos estudados na semântica das línguas. A Libras, como todas as línguas, apresenta polissemia, o fato de um sinal ter muitas significações dependendo do contexto; ou paramorfismo, quando diferentes sinais tem significados similares ou equivalentes; ou diferentes formas e estruturas “O papel paramórfico do legissigno implica admitir que um objeto estético pode ser abordado e construído a partir de múltiplos signos, todos eles equivalentes, o que confere uma semelhança aos caracteres estilísticos (...)” ( Plaza, 2001- 73) e idiomatísmo cultural, ou seja, expressões próprias de uma cultura, ou mesmo particular de uma região, que são específicas de uma língua influenciadas por questões sociais, culturais e econômicas, não podendo ser decodificada literalmente pois são culturais.

“Muitas expressões idiomáticas das línguas de sinais são diferentes daquelas das línguas faladas no mesmo país. Os trocadilhos são jogos de som das palavras, mas com os aspectos visuais dos sinais. (...) Muito humor baseado na fala se perde na Língua de Sinais e vice-versa.” (Freeman, Carbin e Boese, 1999-p.163)

A percepção visual atua recebendo informações sob a forma de textos, imagens, cores, em termos de “imagens mentais”. O seu registro é feito pela exploração do campo visual. Procure o “sentido”, mas lembre-se, não existem sentidos fixos, mas sim uma inter-relação de todos os sentidos, e esta como sensibilidade visual integrada ao movimento garante-nos a apreensão do real.

A estratégia da língua de sinais figurativa, antes de referir-se ao real, faz uso de uma cadeia de representações. É justamente essa rede de sentidos (intercurso) e conseqüente embutimento da construção ideária, processo anafórico e rica expressão corporal e facial na enunciação com os sinais que dá fundamento e possibilidade ao surdo de ter o conforto lingüístico, ou mesmo “/DOCE/” e “/LEVE/”. Portanto, consideramos que um aprendiz de uma nova língua deve fazer uma “leitura silenciosa”, buscando visão global do texto, fazendo com que o significado do texto seja buscado através do próprio texto, evitando o uso de dicionário bilíngüe.

Constatamos que os alunos nesse primeiro curso, que tem contato penas no momento de aula, saem dominado só paramorfismo usado em sala, e alguns sinais polissêmicos, mas pouco entende dos idiomatísmos.

Referente à emissão, em um primeiro momento os alunos são muito cometidos, sinalizam apenas aquilo que já sabem, têm medo em ousar e improvisar.

Primeiras Sínteses

Por que uma conclusão, depois de um semestre de trabalho de ensino de língua de sinais para adultos ouvintes? Depois de várias notas e observações, ainda há perguntas que nos inquietam, tais como: “Mas então qual o processo de aprendizagem”?

Pudemos observar que este processo é complexo, principalmente pela diferença de modalidade da língua de sinais em comparação à língua portuguesa, elencamos algumas características deste processo, mas há necessidade de aprofundamento de tais questões, pois apesar da experiência em ensino (cursos) de língua de sinais, este foi o primeiro momento que nos atemos ao registro desse processo e apenas do primeiro semestre de curso.

Do ponto de vista pedagógico, temos consciência que nos Cursos de Libras que atualmente estão sendo realizados em Campo Grande/MS, falta toda uma construção de proposta de ensino pautada no processo de aprendizagem do aluno. É deveras surpreendente constatar que os instrutores, ainda com formação incipiente para o ensino de língua, por terem passado apenas pelo curso de capacitação do Programa Nacional de Apoio à Educação de Surdos MEC (2000) e usarem em alguns momento da aula o livro “Libras em Contexto”, utilizam métodos que primam pela comunicação, princípios de métodos ora funcionalistas. Constroem situações sociais onde na interação é produzida a negociação de significados.

Pudemos identificar que muitas competências pertinentes às Línguas de Sinais ainda não foram observadas em nossos aprendizes, principalmente para a expressão, mas em um diálogo cotidiano com usuários competentes na língua conseguiam compreender a mensagem.

A própria existência do processo requer o planejamento que se direcione a responder às dúvidas e “erros” dos alunos. A propósito, os dados compilados neste estudo servem de base para a organização de algumas aulas, de forma que esses conteúdos sejam apresentados de forma explicita, construindo-se uma ferramenta em particular para prever a situação de interlíngua do aprendiz.

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