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Questões preliminares sobre o ensino de língua de sinais a ouvintes: reflexões sobre a prática
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Publicado em 2004
Distúrbios da Comunicação, São Paulo, v. 16, n.1, p. 53-63
Cristina Broglia Feitosa de Lacerda
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Resumo

O atendimento à pessoa surda na abordagem bilingüe tem sido defendido pela comunidade surda e por muitos profissionais que trabalham nesta área (educadores, fonoaudiólogos, terapeutas, intérpretes), todavia, para que a abordagem bilingüe se desenvolva é necessário que as famílias de sujeitos surdos, os profissionais que trabalham com eles e outros interessados aprendam a língua de sinais. O propósito deste artigo é discutir aspectos relativos ao ensino da língua brasileira de sinais (LIBRAS) como segunda língua, para ouvintes buscando contribuir para a implementação da proposta de abordagem bilíngüe.

Introdução

Atualmente, muito tem sido discutido sobre os problemas enfrentados pelos surdos em seu desenvolvimento, e um grupo significativo de pesquisadores e educadores tem apontado para a adequação da abordagem bilingüe no atendimento a essa comunidade (Moura, 1996; Skliar, 1997; Perlin, 1998; Kyle, 1999). Estes estudos discutem a importância do contato com a língua de sinais e de seu desenvolvimento. Todavia, a maior parte dos surdos é filha de pais ouvintes e não tem acesso à língua de sinais como primeira língua. O contato com a língua de sinais se faz tardiamente, e é preciso que algum tipo de contexto especial seja providenciado para que esse contato/aquisição se dê. Uma forma é o contato com um surdo adulto, fluente em LIBRAS, que possa em situações contextualizadas compartilhar essa língua, criando ambientes de interlocução. Mas para que o desenvolvimento do sujeito surdo seja o mais pleno possível, é necessário que tenha interlocutores capazes de interagir com ele nessa língua, sendo desejável que sua família conheça a língua de sinais, aceite-a e a aprenda.

Nosso grupo de pesquisa tem buscado realizar um trabalho nesta direção, e para tal foram criados grupos coordenados por um instrutor surdo adulto, responsável pelo ensino de LIBRAS para pais e familiares de sujeitos surdos. Observamos que esta atividade de ensino é necessária e interessante e que tal trabalho é marcado significativamente pela presença do instrutor surdo adulto que, ao ensinar sinais, oportuniza inclusive uma vivência positiva e motivadora ante a surdez para as famílias (Lacerda e Caporali, 2003). O contato com o instrutor surdo, em nossa experiência, tornou possível também o esclarecimento de certos aspectos sobre a educação, a integração social, e a vivência cotidiana de pessoas surdas adultas, mostrando possibilidades de solução de problemas apresentados pelos participantes dos grupos. O contato com a LIBRAS pôde permitir uma nova visão sobre o valor dessa língua, uma experimentação e uma vivência de seu uso que modificaram positivamente as relações familiares dos sujeitos que acompanhamos.

Além disso, esta mesma experiência nos permitiu entrar em contato com aspectos da metodologia do ensino de LIBRAS usada pelo instrutor surdo. Um olhar mais atento para este aspecto nos levou a refletir sobre a importância que o modo de ensinar a língua de sinais pode ter sobre os aprendizes. Assim, propomos neste artigo discutir questões relativas à metodologia de ensino de segunda língua e, neste contexto, pensar o ensino da Língua Brasileira de Sinais para ouvintes.

Sobre as metodologias de ensino: focalizando o ensino de segunda língua

As práticas educacionais voltadas ao ensino de línguas, de modo geral, desenvolveram ao longo dos anos um conjunto de conhecimentos e técnicas na busca de levar o aluno a aprender e a interagir com o outro como sujeito que se comunica por meio de uma língua diferente de sua língua materna. Todavia, o ensino de línguas, por muito tempo, passou ao largo de várias questões concernentes à linguagem, atendo-se a um trabalho que focalizava apenas parte dos aspectos lingüísticos envolvidos na produção discursiva dos sujeitos. Foram desenvolvidas muitas técnicas/metodologias focalizando um trabalho gramatical fragmentado, baseado em exercícios de repetição e de memorização sempre numa perspectiva metalingüística pouco interessada nas questões do funcionamento da linguagem como um todo.

Entretanto, se a linguagem é concebida como atividade constitutiva dos sujeitos, tal centralidade afeta os modos de se propor o aprendizado de uma segunda língua. Os indivíduos de uma mesma cultura partilham um certo sistema de signos; a língua – que permite que eles interajam entre si de modo bastante satisfatório. As palavras, que são os signos constitutivos de uma língua, têm um significado mais ou menos comum para os membros dessa comunidade podendo, entretanto, ter sentidos bastante diversos de uma pessoa para outra (Vygotsky, 1984). Esta característica da linguagem permite que os membros de uma comunidade possam se compreender entre si e, ao mesmo tempo, que múltiplos sentidos, nem sempre esperados ou desejados por esses mesmos membros, fiquem em circulação, configurando a polissemia da linguagem. É também pela linguagem que se torna possível organizar/agrupar ocorrências, criando categorias conceituais. Neste sentido, a linguagem configura conceitos e formas de organização do real que constituem a mediação entre o sujeito e os objetos do conhecimento, envolvendo significados e sentidos. Assim, na atualidade, muitos estudiosos, apoiados nesta concepção de linguagem, têm refletido sobre questões de ensino de segunda língua e/ou ensino de língua estrangeira.

Na literatura, os termos língua estrangeira e/ou segunda língua muitas vezes são usados como sinônimos. Outras vezes a segunda língua é definida como aquela que o sujeito aprende e de que faz uso intenso, já que está freqüentemente em ambientes culturais que exigem o domínio dessa língua; e a língua estrangeira como aquela que é aprendida pelo sujeito, mas de que ele não faz um uso intenso e não estará exposto quotidianamente a ambientes culturais que a envolvam. Tal distinção dá destaque ao interesse, às necessidades e à motivação para o aprendizado de uma língua, que pode ser diferente segundo a situação enfrentada e as expectativas de uso de língua de cada um dos aprendizes.

Acuña (2000), em seu relato sobre sua experiência de ensino de espanhol como segunda língua, aponta para as diferentes realidades enfrentadas por seus grupos de alunos. Para crianças aborígines, na Argentina, o espanhol é uma segunda língua, diferente de sua língua materna e tem seu uso específico dentro da comunidade, requisitado cotidianamente. O espanhol é a língua do grupo majoritário e precisa ser dominado para que possam participar de uma série de atividades sociais e culturais daquele país.

Todavia, a autora afirma que o modo de ensinar uma segunda língua não deverá ser igual para diferentes destinatários. Há grupos de estrangeiro letrados que, apesar de terem por base diversas línguas maternas, são capazes de certas pressuposições, por partilharem de aspectos culturais comuns (como a escrita por exemplo) – e apreendem a nova língua com apoio nesses pressupostos. Já, um grupo de aprendizes que seja oriundo de uma cultura ágrafa (o que é freqüente entre populações aborígines) percorre caminhos diversos para a construção de uma segunda língua.

Acunã (ibid.) relata também sua experiência de ensino de segunda língua para refugiados políticos – pessoas vindas de diferentes lugares com culturas e situação sociopolítica diversas – em geral, bastante descontentes com seu “degredo”. O modo de estruturar o ensino de segunda língua para esses interlocutores precisa ser especialmente elaborado. Eles têm necessidade de sobreviver num meio novo, cultural e politicamente diverso, e a língua precisa possibilitar isso. Para um grupo com essas características, a língua precisa emergencialmente satisfazer questões básicas e essenciais para a sobrevivência em um novo país. É necessário contemplar as questões ideológicas que subjazem a cada grupo de aprendizes e perceber que os propósitos de ensinar e de aprender são variados em diferentes contextos (Acuña, 2000)

É importante ressaltar que não são apenas as dimensões cognitivas, sociais e culturais que, a rigor, interferem no processo de aquisição de uma segunda língua. Aspectos emocionais têm uma participação crucial. Todavia, na literatura sobre a aquisição de segunda língua, são muito escassos estudos que se ocupam de fatores afetivos/emocionais envolvidos nesse processo. Serrani-Infante (1997) afirma que falar é sempre um processo cuja complexidade estrutural supera o mero exercício de habilidades visando à “comunicação” de mensagens ou à resolução de “problemas” operacionais. Os processos que envolvem a aquisição de segunda língua são complexos, já que a linguagem, sendo constitutiva dos sujeitos, é aspecto fundamental do modo de agir do ser humano.

Revuz (1998) observa que o processo de falar numa segunda língua tem implicações profundas para o sujeito porque, nesse processo, são solicitadas, simultaneamente algumas esferas existenciais básicas na constituição da subjetividade. Uma delas diz respeito à relação do sujeito com o saber: trata-se do componente relativo à aprendizagem de regras lingüísticas e regularidades, isto é, da língua como objeto de conhecimento. Outra esfera fundamental diretamente envolvida é o corpo. O corpo não é entendido aqui somente em sua dimensão biológica, mas também como suporte da subjetividade. O aparelho fonador e a movimentação muscular são exigidos pela ruptura de automatismos fonatórios e de expressão gestual que acontece ao se tentar pronunciar sons, entoações, ritmos, gestos e expressões antes desconhecidos. Refletir sobre esta esfera torna-se fundamental quando se pensa na aquisição de uma língua de sinais como segunda língua. Automatismos gestuais precisam ser substituídos por gestos padronizados, cercados por regras de configurações de mãos e expressões, que exigem do sujeito aprendiz, reflexividade, disponibilidade para mudança e um envolvimento do seu eu psicológico e corporal como um todo.

(...) durante o processo de aprendizagem de uma língua estrangeira são as bases mesmas da estruturação psíquica que são solicitadas e, com elas, aquilo que é, a um mesmo tempo, o instrumento e a matéria dessa estruturação: a linguagem, a língua chamada materna. (Revuz, 1998, p. 216)

Desta perspectiva, não se compreende a língua como código, mas como estrutura verbal simbólica, cujas marcas formais ganham sentido ao se realizarem em processos discursivos, historicamente determinados e determinantes na constituição do sujeito (Serrani-Infanti, 1997). A aquisição de uma segunda língua não é uma tarefa simples, já que envolve processos pessoais/psicológicos que interferem significativamente na aprendizagem. Para que certos sujeitos aprendam uma nova língua, tais aspectos precisam ser considerados.

A maioria dos estudos sobre aspectos do ensino de segunda língua no Brasil remete ao ensino do inglês como segunda língua, já que esta é a língua estrangeira mais presente nos currículos educacionais brasileiros. Moita-Lopes (1996) discute questões relativas à natureza social e educacional dos processos de ensino-aprendizagem de línguas. O autor salienta a influência de questões polêmicas como as diferentes atitudes de alunos e professores e as ideologias preconceituosas, como “a falta de aptidão” e “o déficit lingüístico” interferindo no processo de aprendizagem de línguas. Discute ainda, a alienação e o ensino de inglês no Brasil, mais especificamente no que se refere às atitudes de alguns professores e alunos em relação às culturas de língua inglesa. “Observa-se uma atitude exageradamente positiva e de quase adoração” (p. 37) pela cultura americana, principalmente.

Atitudes semelhantes podem ser constatadas em relação ao ensino de língua de sinais como segunda língua. Os ouvintes em geral se dizem inaptos, argumentam que as configurações de mãos ou certas configurações no espaço são muito difíceis de serem realizadas, referindo não serem capazes. Por outro lado, inversamente ao que ocorre com o inglês, a cultura surda é freqüentemente desvalorizada, e à língua de sinais é vista como uma língua menor e desprestigiada. Este conceito negativo em relação à língua de sinais pode interferir fortemente nos processos de aprendizagem, pois as dificuldades podem ser atribuídas à “precariedade” da língua, o que afasta o aprendiz de seu objetivo.

Moita-Lopes defende que deve existir uma certa preocupação, por parte dos professores, em ensinar aspectos culturais ligados à língua estrangeira. Por outro lado, não se pode permitir que essa preocupação fomente preconceitos em relação a esta ou àquela cultura. Falsos mitos e ideologias preconceituosas sobre o processo ensino-aprendizagem de línguas foram criados ao longo de décadas, e não é tarefa fácil demovê-los. Todas as pessoas são capazes e podem adquirir toda e qualquer língua. A questão é levar em conta as características de cada grupo de aprendizes e as características intrínsecas de cada língua e pensar em abordagens metodológicas adequadas a cada tipo de público e de língua.

No caso da surdez, a língua de sinais foi por muito tempo considerada uma língua menor, ou apenas um modo precário de comunicação, fato que precisa ser discutido com os aprendizes de modo a evitar que idéias errôneas e preconceitos que atrapalhem o processo de aprendizagem. Além disso, aspectos relativos à cultura surda são bastante desconhecidos pela comunidade ouvinte (e muitas vezes pelos próprios surdos), e aprofundar conhecimentos a esse respeito, quando se ensina língua de sinais, mostra-se imprescindível. O ensino de uma segunda língua deve vir associado ao conhecimento/acesso à cultura dessa mesma língua. Nesse sentido, a aprendizagem de uma língua estrangeira, ao contrário do que pensam alguns, fornece o material fundamental para o entendimento de si mesmo e de sua própria cultura, já que facilita o distanciamento crítico por meio da aproximação com outra cultura (Moita-Lopes, 1996).

Outro aspecto importante é o fato de que os conceitos (e/ou preconceitos) que permeiam as atitudes de professores e de alunos são determinantes para a aprendizagem, pois interferem no processo e podem afetá-lo de forma positiva, levando ao êxito, ou, de forma negativa, levando a um fracasso muitas vezes irreversível. Moita-Lopes defende a educação permanente do professor de línguas, propondo uma formação teórico-crítica para ele, já que muitos são formados em abordagens dogmáticas e positivistas.

Em relação ao ensino de língua de sinais, a educação permanente dos professores é ainda mais premente. Muitas vezes, em locais mais distantes dos grandes centros, a única aptidão exigida do professor é que ele seja fluente em LIBRAS, sem que ele tenha passado por qualquer formação especifica para o ensino e para ser professor de língua de sinais. Neste caso, é importante a implementação da formação sistemática em cursos promovidos pelas entidades representativas da comunidade surda 1 proporcionando conhecimento mais aprofundado sobre a LIBRAS, reflexões sobre aspectos específicos dessa língua, metodologia e didática para o ensino de línguas. Ao mesmo tempo, este professor precisa conhecer bastante bem o português para auxiliar o aluno em suas inferências e dúvidas, já que a aprendizagem de uma segunda língua está sempre perpassada pela língua materna do aprendiz.

Scaramucci (1984), partindo de uma vasta revisão de literatura, discute que o sucesso na aprendizagem de uma segunda língua não depende apenas de fatores como capacidade intelectual e aptidão lingüística, mas também de atitudes e motivações de aprendizes com relação à língua-alvo, à cultura e aos membros da comunidade falante dessa língua. Assim, a motivação não deve ser vista apenas como um desejo geral para se aprender uma língua, mas deve estar voltada para o próprio ato de comunicação, ou para o esforço do aluno em tentar entender o que seu interlocutor está dizendo, assim como seu próprio esforço para se comunicar em uma situação real, na qual o que está sendo discutido seja de interesse vital para as pessoas envolvidas. Este ponto, por exemplo, é fundamental para as famílias ouvintes de crianças surdas, pois se está diante de uma necessidade vital de comunicação, e o ensino de língua de sinais à família de surdos precisa tomar tais necessidades em consideração.

Gómez (1999) também apoiado em debates presentes na literatura da área, discute que a motivação para a aprendizagem de uma segunda língua pode ser dividida em: motivação integrativa, caracterizada pelas atitudes positivas em relação ao grupo de falantes da língua-meta; pelo desejo ou vontade de integração nesse grupo ou, no mínimo, pelo interesse em conhecer membros do referido grupo e conversar com eles; e motivação instrumental, caracterizada por um desejo de obter, graças ao conhecimento de uma língua estrangeira, um reconhecimento social ou vantagens econômicas. A motivação para aprendizagem de segunda língua, assim caracterizada, aponta para os interesses presentes mais freqüentemente em professores, estudantes e intérpretes, ou seja, pessoas que tendo interesse pela comunidade surda precisam se desenvolver na língua de sinais também por necessidades profissionais. Este tipo de motivação pode dirigir a preparação de aulas de línguas de sinais para pontos específicos, que interessam mais diretamente a estes grupos.

Ainda no que se refere à questão da motivação voltada ao ensino, Gómez aponta para três fatores básicos: interesse (resposta positiva que desperta e mantém a curiosidade do aluno); relevância (é o requisito prévio para uma motivação contínua, o aluno consegue perceber que aquilo que lhe está sendo apresentado é importante para suas necessidades pessoais – necessidade instrumental); e expectativa (aqueles que acreditam ser capazes de realizar as diversas atividades de forma correta estarão mais motivados do que aqueles que consideram que fracassarão na sua realização; também estão mais motivados aqueles que atribuem ao seu próprio esforço o sucesso ou fracasso da sua aprendizagem).

Nesse sentido, Gómez discute algumas variáveis que são determinantes devido a sua incidência direta na motivação dos alunos num ambiente docente, tendo por parâmetro as aulas de inglês. Dentre as variáveis estão: o caráter lúdico e divertido da disciplina; o interesse pela disciplina; a sensação de agir com autonomia e de não se sentir obrigado a estudar determinada disciplina; o nível de atenção prestado na aula; o esforço/empenho que o aluno dedica à aula; a importância/relevância da disciplina; a aptidão para aprender; a valorização da “quantidade” de língua aprendida; a percepção da utilidade da língua; o desejo de aprender a língua; a sensação de sucesso ou fracasso no estudo da língua; a valorização do esforço; a criatividade/variedade de atividades na aula; a valorização das atividades gramaticais na aula; a sensação de sentir-se absorvido pelas atividades na aula; a valorização de atividades comunicativas na aula; o desafio/dificuldade das atividades/tarefas na aula; a valorização habilidade/destreza em relação ao desafio/dificuldade das atividades; o medo do fracasso; a valorização do trabalho em duplas ou grupos na aula; a valorização dos materiais complementares utilizados na aula; e o interesse por atividades extra-acadêmicas relacionadas com a língua.

Outro ponto bastante relevante no processo de aprendizagem de uma língua estrangeira refere-se à metodologia utilizada para o ensino, e, em muitos casos, a estrutura gramatical é ainda privilegiada, fazendo com que o ensino esteja baseado em situações descontextualizadas, as quais não despertam o interesse dos alunos e não propiciam de forma satisfatória a compreensão.

A preocupação com questões de metodologia ligadas ao ensino de segunda língua, descrevendo, principalmente, o ensino de inglês como língua estrangeira no Brasil, é freqüentemente destacada na literatura enfatizando que alunos e professores de inglês ainda se concentram na estrutura e na gramática, no nível da frase, ao abordar a língua e trabalhar com ensino-aprendizagem da língua inglesa. Embora a grande maioria reconheça a supremacia do significado sobre a forma em contexto real de uso, há carência na conscientização da natureza completa da significação, da interação e da aprendizagem (Celia, 1989).

Buscando alternativas diferenciadas para trabalhar o ensino de língua, encontram-se várias propostas. Celia faz diversas sugestões para o trabalho de ensino de língua, tais como: propor um enunciado em dois contextos distintos, nos quais, pela caracterização de todos os elementos do evento comunicativo, enfoca-se a língua em uso e suas complexidades quanto à produção e compreensão. Ou ainda, dividir a classe em três grupos (um com contexto completo, outro com contexto parcial e outro sem contexto) e ler um texto, pedindo que os alunos reproduzam a história considerando a importância do contexto; solicitar que dois grupos, que receberam versões diferentes de uma mesma história, recontem o que leram, levando os alunos a refletirem sobre os efeitos da estrutura do texto sobre sua compreensão, memorização e, conseqüentemente, capacidade de reprodução.

Em todas as atividades propostas, o objetivo é fazer com que os alunos se conscientizem de seus próprios processos e que possam associá-los aos princípios teóricos em estudo. Nesta abordagem comunicativa, tem-se a intenção de colocar o aluno na situação mais próxima possível de sua realidade. Para tal, é valorizada a participação do aluno, e as atividades desenvolvidas são organizadas a partir das necessidades e interesses manifestos pelos aprendizes, ou seja, há uma troca entre professor/aluno, estando embutida nesta relação o conteúdo. O processo ensino-aprendizagem é visto como uma interação dinâmica que envolve o professor, o aluno e o conteúdo. E, nesse processo, é essencial que o aluno saiba o que está fazendo e porque, para que dessa forma ele monitore a sua própria aprendizagem (Celia, 1989).

As discussões aqui apresentadas revelam a complexidade do ensino de uma segunda língua. Isto se intensifica, especialmente, no caso do ensino de uma língua gestual, tão diversa, a começar de sua materialidade, das línguas orais. Muitas vezes, os instrutores surdos ao aprenderem uma segunda língua (no caso o português), o fazem de uma forma sistemática/estrutural e, ao assumir a função de mestres, reproduzem esta forma de ensino, manifestando dificuldades em se “desprenderem” de uma metodologia mais formal de ensino de língua. Conseqüentemente, sem se darem conta, tornam o ensino da Língua de Sinais um tanto descontextualizado, propondo atividades como por exemplo, a repetição de sinais a partir de listas de palavras, acarretando uma mera imitação pelos aprendizes, dificultando a compreensão e a assimilação de tais sinais.

(...) é preciso não esquecer que, em geral, ensinamos como fomos ensinados, pois tendemos a reproduzir o sistema. Logo, torna-se fundamental apresentar um sistema dinâmico, complexo, inerentemente incompatível com a acomodação e com a reprodução passiva, requerendo um posicionamento consciente, político, crítico, interativo e autônomo. (Celia, 1989, p. 112)

Uma segunda língua, para ser bem “aprendida”, não pode ser ensinada mecanicamente. Os sujeitos devem fazer parte de um meio que utilize essa língua, e esta deve fazer sentido para aqueles que a aprendem. Para que sua aprendizagem se dê de uma forma satisfatória, torna-se necessário que esta seja vivenciada em situações contextualizadas, que efetivamente tenham significado para os aprendizes.

O instrutor/professor surdo e o ensino de libras

A realidade dos professores surdos tem características próprias, que merecem serem ressaltadas. O surdo em sua história educacional, em geral, passou por uma escolarização problemática, tendo que adquirir seus conhecimentos em ambientes educacionais pouco propícios, onde os conteúdos são apresentados em português (oral e escrito) nem sempre acessíveis a ele. A duras penas, alguns surdos vencem esse percurso, e, em geral, são bemsucedidos aqueles que de alguma maneira tiveram contato com a comunidade surda e puderam desenvolver a Língua de Sinais de forma ampla. Eles conseguem alcançar um nível de conhecimento que possibilita que se tornem professores/instrutores de LIBRAS.

A Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (FENEIS) é o órgão responsável pela formação e definição do perfil profissional do instrutor de LIBRAS. Organiza cursos de formação. Em seus documentos (FENEIS, 2003), encontramos que o instrutor de Língua de Sinais deve ser profissional bilíngüe (domínio de LIBRAS e de português), preparado em cursos de capacitação permanente, promovido por órgãos competentes para o ensino da Língua de Sinais a: ouvintes que querem ser intérpretes da Língua de Sinais, crianças surdas, jovens e adultos surdos que não tiveram acesso à língua de sinais em tempo hábil, professores e profissionais das escolas, famílias de pessoas surdas e sociedade em geral. O instrutor de LIBRAS deverá ser preferencialmente surdo, com bom nível cultural e sua formação deve ser no mínimo o Ensino Médio completo. Cabe ao instrutor ensinar a língua em situações contextualizadas, definindo estratégias que sejam adequadas às diferentes idades e interesses. Além disso, cabe a ele avaliar o desenvolvimento dos grupos em relação à aquisição/aprendizagem da língua de sinais.

Todavia, o que está descrito nos documentos oficiais nem sempre é o que se observa nas práticas de ensino de LIBRAS. O modelo educacional vivenciado pelos surdos em sua história de vida escolar é quase sempre estruturalista, com a língua (portuguesa) tendo sido ensinada de forma fragmentada, descontextualizada e com pouco sentido para o aprendiz. A observação de certas práticas de ensino de LIBRAS sugere que este modelo é freqüentemente incorporado pelo instrutor, já que, muitas vezes, não foi possível para ele vivenciar nenhum outro modelo educacional, já que a maior parte daqueles que ensinam LIBRAS, em muitas regiões, nem sequer passou pela formação básica oferecida pelas entidades representativas das comunidades surdas.

Além disso, é difícil crer que a formação breve do instrutor surdo consiga contemplar todos os aspectos desejados. A formação de um instrutor cônscio de seu papel de gerar situações discursivamente interessantes e contextualizadas para seus alunos, levando em conta suas características e peculiaridades para uma aquisição satisfatória da língua de sinais, é tarefa árdua e requer uma formação continuada e aprofundada.

Muitos cursos oferecidos auxiliam na discussão de metodologias de ensino e na compreensão de aspectos gramaticais da LIBRAS nem sempre conhecidos dos surdos (estudos sobre aspectos gramaticais da língua de sinais e seu funcionamento ainda são poucos e precisam ser bastante divulgados; cf. Brito, 1995; Quadros, 1999; Karnopp, 1999). Todavia, discussões sobre o ensino da língua de sinais como segunda língua, sobre as peculiaridades do aprendiz surdo e ouvinte ante a aquisição da língua de sinais, sobre as metodologias de ensino adaptadas a diferentes grupos e realidades culturais ainda são recentes e insuficientes e apontam para a necessidade de uma formação mais aprofundada e mais estudos nessa área.

Considerando-se tais aspectos, cabe ainda salientar que o grau de instrução do instrutor não garante sua capacidade de liderança e coordenação dos grupos de ensino de LIBRAS, ou seja, o conhecimento da língua e seu nível educacional e cultural são importantes, mas não suficientes. A postura do instrutor precisa ser a de um educador atento às características de cada sujeito integrante do grupo, visando garantir o efetivo aprendizado de LIBRAS.

Historicamente, o ensino de língua de sinais foi realizado por pessoas ouvintes “fluentes” em sinais. Essas pessoas buscavam passar seu conhecimento em sinais, e, nesse sentido, foram criados vários pequenos “dicionários” de sinais, que eram divulgados como material básico para a aprendizagem da LIBRAS. A maioria desses “dicionários” traz os itens lexicais organizados por categorias semânticas, com desenhos das configurações de mãos e posição no espaço acompanhados de ilustração do objeto concreto e da palavra escrita. Contém um número reduzido de itens e as aulas se resumiam a aprendizagem daquele léxico mínimo (como exemplo cf. Oates,1990).

Em outros países, e também no nosso, percebeu-se que este modo de ensinar a língua de sinais não favorecia o desenvolvimento real dos interlocutores nessa língua. De certa forma, era o mesmo que ensinar crianças ouvintes a escrever soletrando as palavras, estando presos a abordagens metodológicas de ensino ultrapassadas e pouco eficientes. Tratava-se de um ensino baseado em separar conteúdos e dar explicações sobre aspectos gramaticais, criando-se ambientes de exercícios de fluência e comunicação. Passou-se então a discutir a necessidade da contextualização da aprendizagem da língua de sinais, de um ensino não lexicalizado, e da necessidade de propiciar situações educacionais da LIBRAS efetivamente em uso (Lewis, 1995).

Um passo importante nas mudanças do ensino de línguas de sinais foi reconhecer que um sujeito surdo usuário de língua de sinais seria, potencialmente, melhor professor de sinais. Sua fluência e seu modo de percepção da língua o favorecem na execução desse papel, porém não são condições suficientes. Outro ponto importante é o aprofundamento de estudos sobre a LIBRAS (Pereira e Nakazato, 2001; Karnopp, 1999a) e a elaboração de um dicionário de LIBRAS mais completo (Capovilla e Raphael, 2001), ampliando materiais e conhecimentos que servem de base para a prática de ensino.

A revisão das posturas de ensino de língua de sinais não é um processo simples. Para que sejam implementadas metodologias adequadas são necessárias a conscientização das comunidades surdas e de seus órgãos representativos para formação mais aprofundada e continuada de surdos e ouvintes que desejam ser professores de LIBRAS e discussões constantes acerca desse objeto de conhecimento.

Refletindo sobre o ensino de LIBRAS a familiares ouvintes de sujeitos surdos: nossa experiência

Pelo período de um ano, com gravações em vídeo, as atividades de ensino de LIBRAS a pais e familiares de sujeitos surdos. Esses eram organizados em pequenos grupos (máximo 10 pessoas) que se reuniam semanalmente com um instrutor surdo para aulas de LIBRAS. Na época, o instrutor cursava Pedagogia e freqüentava curso de formação como instrutor de LIBRAS oferecido pela FENEIS. Era uma pessoa bastante interessada e periodicamente se reunia com as pesquisadoras/autoras para discutir aspectos de sua prática como professor de língua de sinais.

Inicialmente, a maior parte das atividades realizadas com os pais era bastante descontextualizada e se concentrava principalmente no ensino do léxico da LIBRAS. O instrutor utilizava basicamente a lousa, escrevendo o vocabulário que seria ensinado/aprendido pelo grupo naquele encontro. Então, apresentava os sinais, e os familiares deveriam repeti-los, sendo corrigidos ou elogiados pelo instrutor. Um ensino apoiado na exposição de sinais isolados que não parecia ser muito motivador aos pais, já que demonstravam cansaço e desinteresse durante as aulas.

O instrutor assume uma metodologia de ensino, provavelmente semelhante à metodologia à qual foi submetido em sua aprendizagem de língua portuguesa (oral e escrita), ou seja, uma aprendizagem de língua por categorias gramaticais, na qual, poucas vezes, usa-se o contexto ou a vivência do sujeito para a construção de conceitos ou palavras.

Sabe-se que a visão de língua subjacente a este modelo de ensino está voltada para uma base comportamental/behaviorista. Nesse contexto, entende-se que a linguagem é adquirida pelos indivíduos pela imitação de modelos, pelo contato no meio social com os indivíduos. Nesse sentido, os familiares nada mais fazem que colar/copiar as produções do instrutor, tomando-as como próprias e sinalizando. Há uma linguagem/código pronta, dada, que precisa ser apropriada pelos iniciantes na língua, no caso os familiares dos sujeitos surdos.

Em nossos primeiros encontros com o instrutor, procuramos discutir os problemas dessa estratégia de ensino, e, na discussão, ele mesmo criticava esse modelo de ensino/aprendizagem, demonstrando não ter consciência plena do modo como atuava. A partir destas discussões, o instrutor passou a buscar outros materiais para utilizar em suas aulas.

Assim, em atividades subseqüentes, passou a levar jogos, propondo-se a ensinar LIBRAS apoiado em material lúdico como jogos de regras e brinquedos, já que tais materiais poderiam ajudar os pais a participarem com maior motivação. Tais atividades também favoreceriam experiências que poderiam ser facilmente transpostas para o ambiente familiar, contribuindo para o desenvolvimento de LIBRAS de todos: pais e filhos surdos.

Entretanto, o modo como o instrutor conduzia as atividades não permitiu alcançar os objetivos pretendidos. Apesar do material utilizado, a língua continuou sendo tratada como algo pronto, que precisava ser assimilada de forma estanque. O instrutor apresentava peça por peça do jogo ou brinquedos, fazia o sinal correspondente e solicitava que os participantes reproduzissem os sinais. O material, talvez mais atraente, não era usado com finalidade lúdica, mas como base de apoio para o ensino do léxico.

Assim, a língua de sinais continuava a ser apresentada de maneira fragmentada e, por vezes, era desprovida de sentido para as famílias que reproduziam os sinais por cobrança do instrutor, muitas vezes, com dificuldade devido à configuração de mão, organização espacial para utilização dos sinais e etc. A prática supervalorizava o processo de imitação, e a ênfase era dada ao êxito ou não em conseguir realizar este ou aquele sinal, reforçando os mitos da “incapacidade” para aprender uma língua diferente da sua (Moita-Lopes, 1996).

Em nossas observações, muito poucas vezes o instrutor explorou o material criando situações dialógicas efetivamente. A opção por um material lúdico não significou um afastamento do modelo de ensino baseado na repetição de itens lexicais, embora estes estivessem desta forma um pouco mais contextualizados.

Outro material utilizado pelo instrutor após nossas discussões sobre modos mais adequados de ensino de LIBRAS foram os livros de histórias infantis – conto de fadas. Discutimos que os surdos, em geral, não têm acesso a esses contos, já que suas famílias não conseguem contá-los para eles, pela falta de uma língua comum que possibilite essa atividade. Criar uma situação em sinais, com uma história infantil de fundo, poderia favorecer o ensino de língua e viabilizar que os pais contassem essa história para seus filhos, ampliando a competência lingüística de ambos.

Entretanto, o que observamos é que o instrutor levava os livros de histórias para os encontros, mas não os explorava; a história em si, sua interpretação/dramatização, que favoreceria o sentido para as famílias, não eram exploradas. As figuras eram apresentadas e o instrutor fazia os sinais pedindo que os pais os reproduzissem figura por figura. Os mesmos o faziam, muitas vezes, com erros na configuração de mão ou na localização do espaço, que eram corrigidos pelo instrutor; todavia, não ocorriam diálogos que favorecessem a aprendizagem da língua de forma ampla pelos familiares.

Este modo de conduzir a atividade revela que a linguagem é vista como algo pronto, que deve ser assimilado. Assim, o professor fornece ao aprendiz material lingüístico, pela nomeação das figuras presentes no livro, e crê que a partir desses nomes os pais sejam capazes de melhor compreender e de narrar/contar a história. A escolha parece se basear no critério de facilitação da aprendizagem, primeiro ao conhecer os “sinais” isolados para só então adentrar na história/narrativa propriamente.

São organizadas atividades mecânicas, desprovidas de sentido (ainda que o conto de fadas esteja ali para “garantir” o contexto!), com o aluno operando mecanicamente com palavras e frases estereotipadas que pouco o auxiliam no desenvolvimento e domínio efetivo da língua.

O instrutor parece realizar estas atividades sem refletir sobre a repercussão deste ensino aos familiares ouvintes, não estando atento a sua motivação ou seu envolvimento. Embora ele seja fluente em LIBRAS, possua um nível de escolaridade compatível ao exigido para a função, apresenta dificuldade em desprender-se do modelo de ensino/aprendizagem ao qual foi submetido.

Durante todo o ano, mantivemos nosso trabalho com o instrutor surdo. A condução do grupo e das atividades eram sua responsabilidade, e nosso papel era auxiliar na avaliação dos resultados desses grupos e contribuir para reflexão do trabalho que vinha sendo desenvolvido. Aos poucos, o instrutor foi percebendo criticamente alguns aspectos de seu trabalho e alterando sua prática.

Em um dos encontros, mais no final do ano, o instrutor organizou uma atividade com jogos, propondo ao grupo que se dividisse em equipes e que jogasse o jogo “Cara a Cara”, utilizando a língua de sinais. O instrutor se colocou como mediador entre as duas equipes e foi oferecendo sinais novos conforme os participantes solicitavam, segundo as necessidades para dar continuidade ao jogo. A tarefa principal continuava sendo a de ensino de léxico de língua de sinais, mas desta vez de forma muito mais contextualizada e motivadora. Os pais riam, torciam, participavam e aprendiam elementos da língua de sinais enquanto jogavam.

As situações aqui apresentadas podem nos ajudar a compreender como são complexos os processos que envolvem o ensino de língua de sinais envolvendo surdos e ouvintes. Nossas reflexões são ainda iniciais, mas apontam para uma série de dificuldades e cuidados que precisam ser tomados quando se pretende que a aprendizagem da língua de sinais se dê satisfatoriamente. Um aprofundamento destas questões se faz necessário pois aspectos aqui levantados são recorrentes em vários grupos que trabalham com ensino de LIBRAS, e compreendê-los melhor pode possibilitar novos enfoques e abordagens.

Ao longo de nossas observações e discussões, pudemos perceber que o instrutor foi aos poucos modificando sua prática, em direção a uma postura de ensino de língua de sinais mais contextualizada para as famílias ouvintes. De uma forma geral, as atividades por ele desenvolvidas não conduziram os pais a uma significativa motivação para a aprendizagem, já que a maior parte do tempo ele tornava a tarefa de ensinar um processo passivo de aprendizagem, levando os pais a repetirem os sinais, sem que muitas vezes isso fizesse sentido para os mesmos. Mas as atividades conduzidas mais no final do ano apontam para um movimento de mudança que deve ser valorizado. Trata-se ainda de um trabalho que focaliza a lexicalização da língua, mas que já indica para uma prática de ensino mais compartilhada e contextualizada.

A dificuldade no ensino contextualizado de línguas parece não ser exclusiva dos surdos ou do ensino de língua de sinais. Vários autores (Gomes, 1999; Moita-Lopes, 1996; Celia, 1989) interessados na questão da formação e atuação de professores de inglês (segunda língua ensinada para um grande número de estudantes da população brasileira) apontam para a dificuldade de se realizar em sala de aula uma prática de ensino motivadora, contextualizada e que leve em conta a língua como uma prática discursiva. O ensino de inglês, ou de outras línguas orais, é uma prática freqüente no Ensino Fundamental e Médio e nem por isso tem superado tais problemas. Tal reflexão parece indicar que a questão do ensino de segunda língua é mesmo complexa e que as dificuldades apontadas por esse estudo merecem ser enfrentadas com atenção, na busca de um ensino de LIBRAS conseqüente e eficiente para surdos e ouvintes.

O instrutor surdo mostra-se sensível às questões que lhe são colocadas quanto ao modo de conduzir suas aulas de sinais, pois no decorrer de sua prática vai alterando-a significativamente, sem, todavia, ter alcançado uma mudança suficiente, chegando a conduzir suas atividades numa perspectiva de uso e atuação com e sobre a língua em seu funcionamento pleno.

Nossa experiência indica a necessidade de que o trabalho nessa perspectiva seja intensificado. Formas de abordar/formar o instrutor merecem ser discutidas para que sua prática junto aos grupos seja transformada. Não podemos esquecer que a história de vida e de aprendizagem marca significativamente o seu fazer como professor e que levá-lo a uma atuação nova, diferente daquela vivenciada, requer uma reflexão e uma revisão de posturas que não se faz, em geral, rapidamente. O conhecimento acerca da língua e dos processos de ensino precisam ser construídos, e é pela formação, pela prática e pela reflexão desta prática que mudanças mais efetivas poderão ocorrer.

Notas

1 Apenas em 2000, a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) criou cursos de LIBRAS para a formação de instrutores, com níveis a serem transpostos e com um currículo bastante específico para cada etapa. No entanto, esses cursos são pouco acessíveis à maioria dos interessados, já que são oferecidos apenas em grandes cidades, com custos bastante significativos (Feneis, 2003).

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