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Flávia Machado
Flávia Machado
Professora e Tradutora Intérprete de Libras/Português
Interpretar não é traduzir
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Publicado em 2011
Debates Latinoamericanos, año 9, Nº 18
Flávia Machado
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Resumo

A experiência de renomados tradutores de diferentes línguas, nas mais diversas práticas do ato de traduzir, destacamos uma síntese de vários autores clássicos dos estudos da tradução, sendo divididos em 8 subtítulos: teorias dos clássicos da tradução, linha hermenêutica, tipos de interpretação, interpretação intra-semiótica, interpretação intralinguística ou reformulação e a forma prática de realizar a interpretação. Essas discussões ocorre com a tríplice tipologia de tradução proposta por Jakobson (1959), revelando os aspetos linguísticos que há na tradução: a clássica categorização intralinguística, interlinguística e intersemiótica nos diversos tipos de tradução. Esses conceitos, que foi sugerido por Jakobson, fica definido que: a intralinguística; interlinguística e intersemiótica devem ser usadas “sistematicamente”, conforme as ideias de Peirce, mas, no ponto de vista de Jakobson, sendo preciso que o aspecto do problema do significado não seja colocado sobre a “equivalência absoluta entre a tradução e interpretação”. Entende-se que o ato de traduzir não é uma simples transposição do léxico de uma língua à outra; isto é, não traduzimos palavra por palavra: faz-se necessária uma tradução de significados [semânticos] e das referências que há entre as culturas. A tradução não é uma atividade puramente técnica e objetiva. Com isso, a subjetividade está implicada na interpretação do tradutor, pois passa a ser naturalmente uma consequência dos processos de interpretação e tradução. Os tipos de tradução e interpretação que ocorrem nas línguas naturais, ocorre se o texto fonte [ou língua fonte] for interpretado com o desejo de cumplicidade e com o empenho de identificar o que não está compreensível no sentido profundo das escolhas tradutórias, averiguando, a cada momento, sua prática de traduzir e interpretar para a língua alvo. A prática é vista como algo necessário para a elaboração da competência tradutória. O interprete/tradutor precisa ter passado por experiências de revisão de traduções, de ter traduzido, de alguém ter traduzido seu trabalho ou ter colaborado com seu próprio tradutor para poder refletir com propriedade sobre o ato de interpretar ou traduzir. Para os profissionais da área da interpretação simultânea, seja das línguas orais e gestuais, o ato de tradução/interpretação interlinguística se manifesta sistematicamente no âmbito da língua fonte para a língua meta. Considerando, os estudos da tradução, segundo os clássicos teóricos, o ato de traduzir/interpretar, exigirá inúmeras reformulações de textos e construções de enunciados, envolvendo também os outros tipos de tradução que há para as línguas naturais, isto é; além da tradução interlingual, também as demais classificações da tradução (intralinguística e intersemiôtica). Contudo, no Brasil a diversidade e a multiplicidade estão presentes em diferentes níveis culturais, e parte desta diversidade se manifesta naturalmente no fato de sermos plurilíngues, e não monolíngues como muitos supõem. Além da língua portuguesa, no Brasil se falam 180 línguas indígenas e muitas outras línguas de comunidades bilíngües, como os grupos que falam português-italiano, português-alemão, português-libras, entre outros. A relevância do ato tradutório, é de obter as habilidades e competências das línguas orais e de sinais, sendo para o Brasil Libras (Língua Brasileira de Sinais).

Na Itália, há muitos escritores que refletem sobre o ato de traduzir, e Umberto Eco é um desses escritores críticos da tradução. Eco é um crítico dos processos de tradução (de uma língua para outra), dos textos, dos enunciados e entre outros gêneros textuais e discursivos. Sua crítica não se limita à interpretação por transcrição, pois qualquer software é capaz de realizar esse processo e também não se condiciona somente em estruturas sintáticas de uma língua para outra; mas seu foco de crítica está nos aspectos semântico–pragmáticos da linguagem, que estão envolvidos nos fenômenos dos estudos da tradução.

Em sua obra “Quase a mesma coisa”, publicada na Itália em 2003 e traduzida para o Brasil, por Eliana Aguiar em 2007, é apresentada a experiência de renomados tradutores de diferentes línguas, incluindo as experiências da presença ilustre de Umberto Eco, nas mais diversas práticas do ato de traduzir; seja esta por uma tradução escrita ou uma interpretação oral, nas mais diferentes categorias existentes do ato tradutório.

Eco, de uma maneira generosa, tenta nos aproximar de uma discussão que se encontra no capítulo 10, intitulado “Interpretar não é traduzir”. Nas páginas que se seguem o capítulo 10 (p.265-298), Eco apresenta ao leitor uma síntese de vários autores clássicos dos estudos da tradução, sendo divididos em 8 subtítulos, que são: (1) as teorias dos clássicos da tradução Jakobson e Peirce, (2) a linha hermenêutica de Heidegger (1987) e entre outros autores, (3) os tipos de interpretação, segundo Jakobson, (4) a interpretação intra-semiótica, (5) a interpretação intralinguística ou reformulação, (6) primeiro interpretar, depois traduzir, reflexões e exemplos variados de como se ocorre esse processo, (7) lectio difficilior, segundo as análises de tradução de Drumbl e por fim, (8) a execução, a forma prática de realizar a interpretação. Essas discussões ocorre com a tríplice tipologia de tradução proposta por Jakobson (1959), revelando os aspetos linguísticos que há na tradução: a clássica categorização intralinguística, interlinguística e intersemiótica nos diversos tipos de tradução.

Considerando esses conceitos, apresentado pelo diagrama, que foi sugerido por Jakobson (1959, apud ECO, 2007, p. 265), fica definido que: (1) a intralinguística [reformulação]: é “uma interpretação de signos verbais por meio de outros signos verbais da mesma língua”; (2) interlinguística [tradução propriamente dita]: é “uma interpretação de signos verbais por meio de signos verbais de alguma outra língua” e (3) intersemiótica [transmutação]: é “uma interpretação de signos verbais por meio de um sistema de signos não verbais”.

Segundo o filósofo americano Peirce (apud ECO, 2007), os tipos de tradução tendem a ser limitados, pois o autor nos conduz a pensar que a tradução é uma espécie de interpretação. Porém Eco (2007, p. 268) afirma que para Peirce, o significado “é uma tradução de um signo para um outro sistema de signos”. Assim, Eco (2007, p. 269) relembra o entusiasmo de Jakobson pela fascinante ideia (apresentada por Peirce) de definição do significado: “[...] a noção de interpretação como tradução de signo a signo permite superar a diatribe sobre onde localizar o significado, na mente ou no comportamento, e não diz que interpretar e traduzir sejam sempre e de todo modo a mesma operação, mas que é útil abordar a noção de significado em termos de tradução [...].” (JAKOBSON, apud ECO, 2007, p. 269). A tradução deve ser usada “sistematicamente”, conforme as ideias de Peirce, mas, no ponto de vista de Jakobson, é preciso que o aspecto do problema do significado não seja colocado sobre a “equivalência absoluta entre a tradução e interpretação”.

Entende-se que o ato de traduzir não é uma simples transposição do léxico de uma língua à outra; isto é, não traduzimos palavra por palavra: faz-se necessária uma tradução de significados [semânticos] e das referências que há entre as culturas. Consideramos que a tradução não é uma atividade puramente técnica e objetiva. Com isso, a subjetividade está implicada na interpretação do tradutor, pois passa a ser naturalmente uma consequência dos processos de interpretação e tradução.

Na sequência, o capítulo 10 - “Interpretar não é traduzir”; Eco afirma que “[a] ideia de que toda atividade de interpretação deve ser considerada tradução tem raízes profundas na tradição hermenêutica”. A palavra ‘hermenêutica’ apresenta três dimensões para o verbo interpretar: (1) asserir (exprimir)[dizer] em voz alta; (2) interpretar (explicar) uma situação, e (3) traduzir (servir de intérprete) de uma língua estrangeira (JERVOLINO, 2001, apud ECO, 2007, p. 270 - 271). Esta última significação, em geral da interpretação como tradução, já está consagrada nos estudos da tradução, mas ao considerarmos a questão sob o ponto de vista da hermenêutica, o ato de traduzir ganha uma nova dimensão.

Assim, levanto citações de autores mencionados por Eco (2007, p. 272–274), como: Gadamer (1960), que afirma que “toda a tradução é sempre uma interpretação” e [...] “que todo tradutor é um intérprete, o que não significa que todo intérprete seja um tradutor [...]”; Steiner (1975) afirma que “a tradução em sentido escrito é apenas um caso particular da relação de comunicação que todo o ato linguístico levado a bom termo estabelece no interior de uma dada linguagem”; Ricoeur (1999) defende que na interpretação e a tradução se fala “a mesma coisa de outro modo”; Petrilli (2000) argumenta que a tradução é “o [a]utor diz na própria língua o que se segue”(p. 273); e, por fim, Fabbri (1998) afirma com clareza que “o ato de tradução é o primeiro ato de significação”. Com isso, Eco (2007, p. 274) conclui dizendo, conforme a linha hermenêutica, que “identificar o núcleo comum em todos os processos de interpretação parece igualmente urgentemente tentar identificar as diferenças profundas que intercorrem entre vários tipos de interpretação”.

Eco (2007, p. 276 - 277) também apresenta os tipos de interpretação, conforme Toury (1986), Torop (1995) e Petrilli (2000), que classificaram as diversas formas de interpretação, como: (1) interpretação por transcrição: “obedece a uma codificação escrita e, portanto, pode ser realizada por máquina (p. 278); (2) interpretação intra-sistêmica: que acontece no interior de um mesmo sistema (p. 279), seja a intra-semiótica, que está no interior de outros sistemas semióticos de interpretações de sistemas não-verbais e/ou a intralinguística, que ocorre no interior da mesma língua natural (p. 280), e a execução das interpretações; (3) interpretação intersistêmica: sensíveis variações na substância e mutação de matéria. Essa classificação (3) está exemplificada nos capítulos 11 e 13 da mesma obra “Quase a mesma coisa” (ECO, 2007).

Evidencia-se nesse capítulo 10 que Eco procurou apresentar através de exemplos os tipos de tradução e interpretação que ocorrem nas línguas naturais, conforme os aspectos linguísticos da tradução. O autor afirma que a tradução ocorrerá se o texto fonte [ou língua fonte] for interpretado com o desejo de cumplicidade e com o empenho de identificar o que não está compreensível no sentido profundo das escolhas tradutórias, averiguando, a cada momento, sua prática de traduzir e interpretar para a língua alvo.

Em suma, a prática, para Eco (2007), é vista como algo necessário para a elaboração da competência tradutória. Conforme o autor, o interprete/tradutor precisa ter passado por experiências de revisão de traduções, de ter traduzido, de alguém ter traduzido seu trabalho ou ter colaborado com seu próprio tradutor para poder refletir com propriedade sobre o ato de interpretar ou traduzir. É difícil a função dos tradutores que não é “dizer a mesma coisa em outra língua, mas dizer quase a mesma coisa”, com a intensa prática que exige que se façam certas escolhas semântico-pragmáticas. Eco alerta para a necessidade evidente de todo o tradutor/interprete precisar de habilidades e competências linguísticas e tradutórias.

A leitura desse capítulo 10 torna-se fundamental e recomendável para os profissionais da área da interpretação simultânea, seja das línguas orais e/ou gestuais. Principalmente, no que tange o ato de tradução/interpretação interlinguística; ações essas que envolvem dois processos: interpretação e tradução de duas línguas e de duas culturas. Com isso, o ato tradutório ocorrerá sistematicamente no âmbito da língua fonte (de origem) para a língua meta (de chegada). Considerando, os estudos da tradução, segundo os clássicos teóricos apresentados, o ato de traduzir e/ou interpretar, exigirá inúmeras reformulações de textos e construções de enunciados, envolvendo também os outros tipos de tradução que há para as línguas naturais, isto é; além da tradução interlingual, também as demais classificações da tradução (intralinguística e intersemiôtica).

Ao iniciar essa resenha, fiz apenas um recorte do capítulo 10, havendo uma série de outros capítulos existentes na obra “Quase a mesma coisa”, extremamente valiosos em seus conteúdos. Portanto Eco, sendo considerado um dos críticos do ato de traduzir, por ter lançado em 1960 uma coletânea de ensaios com o título “Obra aberta” (1962) que é sendo sua primeira publicação e um dos principais estudos; o autor aborda as relações existentes que há entre a poética contemporânea e a pluralidade de significados. E mais, nessa obra, Eco fundamenta o universo semântico, a fim de ampliar para os interpretes um campo imenso de habilidades tradutórias, porém como um guia de recomendações de competências específicas para as interpretações em geral.

Assim, com fama internacional, o escritor, filósofo, semiólogo, linguista e bibliófilo italiano, Eco (que nasceu em 5 de janeiro de 1932) é um dos colaboradores dos periódicos acadêmicos na Universidade de Bolonha, da revista semanal italiana L'Espresso, como também um escritor notável de romances, como a publicação “O nome da rosa”, a qual menciona vários exemplos de traduções realizadas, como reflexão aos profissionais de interpretação em “Quase a mesma coisa”.

E no Brasil a diversidade e a multiplicidade estão presentes em diferentes níveis culturais, e parte desta diversidade se manifesta naturalmente no fato de sermos plurilíngues, e não monolíngues como muitos supõem. Além da língua portuguesa, no Brasil se falam 180 línguas indígenas e muitas outras línguas de comunidades bilíngües, como os grupos que falam português-italiano, português-alemão, português-libras, entre outros.

Acreditando nos processos tradutórios semântico-pragmáticos, que problematizo em minha pesquisa, inicialmente corroboro, com os teóricos clássicos e com Eco (2007), os destaques apresentados sobre tradução e interpretação das línguas naturais. A relevância do ato tradutório, e de obter as habilidades e competências, está na diversidade linguística existente nas comunidades plurilíngües, das línguas orais e das línguas de sinais, sendo para o Brasil, a Libras (Língua Brasileira de Sinais).

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