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Flávia Roldan Viana
Flávia Roldan Viana
Fonoaudióloga
Avaliação bilíngue no atendimento educacional especializado para crianças com surdez
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Publicado em 2012
In Maria Guiomar Carneiro Tommasiello; Alda Junqueira Marin; Selma Garrido Pimenta; Luiz Marcelo de Carvalho; José Cerchi Fusari. (Org.). Didática e Práticas de Ensino na Realidade Escolar Contemporânea: Constatações, Análises e Proposições. 1ed.: Junqueira&Marin Editores, v.3, p. 4136-4147
Flávia Roldan Viana
Tereza Liduína Grigório Fernandes
Eveline Melo de Albuquerque
Edivânia Maria Melo de Albuquerque
  Artigo disponível em versão PDF para utilizadores registados
Resumo

Na prática pedagógica do Atendimento Educacional Especializado – AEE observou-se que o desenvolvimento da linguagem por crianças ouvintes e surdos é diferenciado, em virtude da modalidade linguística, apesar de passar por etapas semelhantes. Por isso nosso objetivo foi o de elaborar, não adaptar do português, um instrumento para a avaliação da linguagem na língua de sinais, devido o fato de ambas as línguas se realizarem em diferentes modalidades, respectivamente oral e viso espacial. A pessoa com surdez faz uso de uma língua distinta da língua da maioria dos ouvintes – a Língua Brasileira de Sinais (Libras) – apesar de não ser extensiva a todos os sujeitos com surdez, também podem apresentar diferentes níveis no que diz respeito ao domínio e conhecimento da língua. Esta pesquisa, caracterizada como exploratória descritiva classifica-se como um estudo de caso, pois propõe a elaboração e a aplicação de um instrumento para avaliar a linguagem de crianças com surdez, e também a análise do próprio instrumento quanto à sua aplicabilidade e eficiência, configurando-se em uma pesquisa ação. A avaliação bilíngue, elaborada com base na linguagem imagética, tem, no signo visual o ponto forte no processo de ensino e aprendizagem e, um caráter lúdico e de fácil compreensão. Por meio da aplicação do instrumento de avaliação proposto, foi constatado que ao caracterizar o nível de linguagem de cada aluno pudemos traçar ações pedagógicas específicas a cada um, contribuindo para o desenvolvimento da linguagem desse alunado, visando melhora no desempenho da linguagem compreensiva e expressiva. Se de fato defendemos uma proposta de reabilitação que valorize a comunicação visual e privilegie a construção do conhecimento pelo respeito à língua e as diferenças, é preciso que sejam produzidas propostas metodológicas condizentes a tais ideias.

1 Introdução

A literatura especializada argumenta que linguagem é a capacidade que o indivíduo tem de conhecer e usar sua língua sendo capaz de entender o que diz o outro e expressar seus próprios pensamentos oralmente ou por escrito. O desenvolvimento da linguagem por ouvintes e surdos se dá em contextos linguísticos diferenciados.

Enquanto os ouvintes possuem acesso completo aos sons da língua, os surdos têm acesso somente aos movimentos articulatórios da mesma, através da visão.

Percebe-se que, quando se oferecem condições auditivas, linguísticas, sociais e psicológicas para que a aquisição da linguagem ocorra, há plasticidade audiológica e cognitiva que permite a (re)organização cerebral – capaz de promover o desenvolvimento normal da linguagem (oral ou sinalizada) (SANTANA, 2007, p. 73).

Nesse sentido, nosso objetivo foi elaborar, não adaptar do português, um instrumento para a avaliação da linguagem na língua de sinais, devido o fato de ambas as línguas se realizarem em diferentes modalidades, respectivamente oral e espacial, e aplicá-lo, destinado a alunos surdos, na faixa etária de 4 a 6 anos, que realizavam acompanhamento no AEE do CREAECE – Centro de Referência em Educação e Atendimento Especializado do Ceará no período de agosto a dezembro de 2010; os mesmos eram alunos de escolas especiais para surdos, do infantil V e do 1º ano do ensino fundamental I utilizando a língua de sinais, sem adaptação do português, pelo fato de ambas as línguas serem utilizadas nas diferentes modalidades, espacial e oral respectivamente, visando contribuir com os estudos sobre aquisição da linguagem em crianças com surdez.

O atendimento educacional especializado com surdos inicia-se com o processo de avaliação. Identificar o que é esperado ou não para determinado indivíduo em relação à linguagem compreensiva e expressiva é fundamental, pois as intervenções educacionais devem se adequar às necessidades de cada indivíduo pressupondo de que a pessoa com surdez tem a capacidade e potencial para assimilar e desenvolver as complexas regras da linguagem e da comunicação, desde que a informação linguística utilizada seja viso manual como meio facilitador da aprendizagem em geral, uma vez que a Língua de Sinais – Libras sirva como suporte para sua competência linguística.

2 Avaliação da linguagem na aquisição da Libras

Avaliar implica em identificar as condições pelas quais as dificuldades de aprendizagem são produzidas, assim como em prognosticar e intervir oportunamente, de maneira a permitir conhecer mais amplamente as características dos alunos. Para garantir sua eficácia, faz-se necessário determinar critérios mais precisos que possam definir as possibilidades e, ao mesmo tempo, a utilização de instrumentos avaliativos como um processo sistemático como uma contínua retroalimentação (ALVAREZ, 1993).

A avaliação permite conhecer os alunos individualmente, em grupos e em família; suas particularidades reais, suas necessidades, motivos, capacidades, hábitos, habilidades, conhecimento, autoestima, potencialidades e diferenças, oferecendo aos profissionais informações no contexto da escola, família, bairro e comunidade.

Apesar dessas ponderações, ainda persistem dificuldades centrais na abordagem do diagnóstico com a pessoa surda, no que se refere aos instrumentos utilizados para avaliação, sobretudo quando deve ser levada em consideração a subjetividade de cada indivíduo de forma particular independente das suas limitações biológicas ou capacidades linguísticas (VYGOTSKY, 2003).

O fato da pessoa com surdez poder adquirir uma linguagem natural possibilita o desenvolvimento de uma linguagem de forma contextualizada, de forma que venha adquirir novas estratégias que possa desmistificar a sua imagem associada ao conceito de deficiente na esfera linguística e comunicativa colaborando com a ideia de que a competência linguística habita os seres humanos em graus diferenciados, pois constitui uma aquisição intelectual compartilhada pela espécie humana.

Toda pessoa nasce predisposta para adquirir a linguagem, a exposição ao meio linguístico é preciso para ativar a estrutura linguística latente, as crianças ouvintes adquirem a língua falada com muita facilidade e praticamente ao mesmo tempo em que as crianças surdas adquirem a língua de sinais, lembrando da diferença individual.

O ser humano possui dois sistemas para produzir e reconhecer a linguagem, um deles é o sensorial que está diretamente ligado a anatomia visual, auditiva e oral que podemos chamar de língua oral, o outro sistema é o motor que está ligado à anatomia de mãos e braços que podemos chamar de língua de sinais (QUADROS, 2004).

Considerando a experiência linguística como constitutiva da aquisição de linguagem (LEMOS, 1986) e o papel crucial do adulto mais competente na interação para impulsionar o processo de desenvolvimento da criança (VYGOTSKY, 1991), adotou-se para a realização desta pesquisa a teoria histórico social, à luz de uma perspectiva de Vygotsky que afirma que é por meio da linguagem que as pessoas constituem-se sujeitos.

É ainda por intermédio da linguagem que a criança amplia suas relações com o outro e com o mundo, o que lhe possibilita o desenvolvimento das funções mentais superiores, por estes serem processos mediados, em essência, por signos (VYGOTSKY, 1991).

Segundo Vygotsky (1991), a linguagem da criança, desde seu inicio, é essencialmente social; desenvolve-se no plano das interações sociais, nas relações interpessoais para, gradualmente, transformar-se em intrapessoal, dependendo inicialmente das relações sociais construídas com seus familiares.

Sendo assim, o desenvolvimento da criança é decorrente do seu contato com a linguagem, das significações de suas ações realizadas pelos adultos, que também significam suas próprias ações para com a criança. Dessa forma, todo desenvolvimento da criança é mediado pela linguagem e, portanto, depende da presença do Outro, ou seja, será por meio do contato com uma pessoa que já possui o domínio da linguagem que a criança irá, dialeticamente, constituir-se como sujeito (BAKHTIN, 1990).

Para Bakhtin (1990) a linguagem além de seu aspecto linguístico normativo, possui o aspecto contextual e social, estando sempre presente no sujeito, mesmo no momento em que esse não está se comunicando com outras pessoas; constituindo o sujeito. Na visão de Bakhtin, que converge com a ideia de Vygotsky, a língua constitui a consciência do indivíduo. “Não é a atividade mental que organiza a expressão, mas ao contrário é a expressão que organiza a atividade mental, que modela e determina sua orientação” (BAKHTIN, 1990, p.112).

A partir desse conceito, percebe-se que para o desenvolvimento da linguagem em indivíduos surdos deve ser utilizada uma língua que a criança surda tenha condições de adquirir de forma espontânea, a Língua de Sinais, para que não venha a ter problemas comunicativos e cognitivos.

Vygotsky (1991) coloca que a relação entre pensamento e linguagem, apesar de independentes em suas origens, é uma relação de interdependência, na qual a linguagem determina, modela a maior parte do pensamento – pensamento verbal -, sendo então indispensável para o seu desenvolvimento. O autor afirma que a criança surda deve adquirir a linguagem da mesma forma que as crianças ouvintes, seguindo as mesmas etapas.

Além de se considerar, nesse estudo, os conhecimentos e posicionamentos teóricos pretenderam-se nesse estudo elaborar e aplicar um instrumento para avaliar a competência linguística de alunos surdos envolvendo o modelo Bilíngue.

3 O modelo bilíngue

A pessoa com surdez faz uso de uma língua distinta da língua da maioria dos ouvintes – a Língua Brasileira de Sinais (Libras) – apesar de não ser extensiva a todos os sujeitos com surdez, também podem apresentar diferentes níveis no que diz respeito ao domínio e conhecimento da língua. Essa abordagem envolve problemas complexos no que diz respeito a mudanças de concepção, reorganização dos modos de comunicação seja na esfera escolar como na família, uma vez que assume a língua de sinais como primeira língua e a língua portuguesa como segunda língua orientada pelo modelo denominado Bilinguismo (GÓES, 2002).

A história da educação do surdo é marcada por correntes filosóficas distintas, que devem ser bem compreendidas em seu momento histórico de forma a contribuírem para a construção dessa proposta educacional bilíngue. Pois somente a partir dessas contribuições, pode-se chegar a um consenso acerca da importância de uma proposta de educação que permita às crianças surdas a aquisição/aprendizado de duas línguas: a língua brasileira de sinais e a língua portuguesa, em sua modalidade oral e escrita.

A proposta bilíngue advoga que não privilegia uma língua, mas busca dar condições às crianças surdas de desenvolverem-se em língua de sinais e, posteriormente, na língua oficial do país, podendo usar a modalidade oral auditiva e ou escrita. Souza (1998) aponta que o bilinguismo, além das questões linguísticas de reconhecimento da Língua de Sinais, requer uma posição política do Estado em dar suporte para essa minoria linguística.

O bilinguismo é uma proposta de ensino usada por escolas que se propõem a tornar acessível à criança duas línguas no contexto escolar. Os estudos têm apontado para essa proposta como sendo mais adequada para o ensino de crianças surdas tendo em vista que considera a língua de sinais como língua natural e parte desse pressuposto para o ensino da língua escrita. No entanto, o reconhecimento dos surdos enquanto pessoas surdas e da sua comunidade linguística estão inseridos dentro de um conceito mais geral de bilinguismo (FERNANDES, 2005).

Não é um método de educação. Define-se pelo fato de um indivíduo ser usuário de duas línguas. Educação com bilinguismo, não é, portanto, em essência, uma nova proposta educacional em si mesma, mas uma proposta de educação onde o bilinguismo atua como uma possibilidade de integração do indivíduo ao meio sociocultural a que naturalmente pertence, ou seja, às comunidades de surdos e de ouvintes. Educar com bilinguismo é “cuidar” para que, através do acesso a duas línguas, se torne possível garantir que os processos naturais de desenvolvimento do indivíduo, nos quais a língua se mostre instrumento indispensável, sejam preservados (FERNANDES, 2005, p. 82).

O modelo bilíngue permite à pessoa com surdez o acesso à sua língua natural - Língua Brasileira de Sinais (Libras) -aceitando a libras como sua primeira língua, uma língua verdadeira e completa como o mais importante meio de identificação da cultura surda e o principal veículo de comunicação entre as pessoas.

A proposta do bilinguismo, segundo Drasgow (1993, p.243) aponta alguns aspectos importantes, como: O momento em que deve ser introduzida a aprendizagem da segunda língua (LP) vinculada ao início das experiências no contexto escolar; A língua majoritária (LP) deveria ser sistematicamente ensinada apenas na modalidade escrita; O processo de identidade cultural da pessoa com surdez que convive em comunidades de surdos e ouvintes configura-se uma visão bilíngue bicultural.

Na proposta bilíngue, a utilização da língua de sinais, é uma atividade mediadora, é um recurso potencial em produção de conhecimento. O uso do relato, do diálogo e de outras manifestações como a expressão, a dramatização, expressões faciais e corporais caracterizam esse desenvolvimento e permite à pessoa com surdez seu desenvolvimento cultural e social através do acesso à comunicação, bem como a aceitação das pessoas sem deficiência de que a surdez e uma diferença e não uma deficiência e dessa forma valorizando a identidade da cultura surda.

4 Procedimentos metodológicos

Esta pesquisa, caracterizada como exploratória descritiva classifica-se como um estudo de caso, pois propõe a elaboração e a aplicação de um instrumento para avaliar a linguagem de crianças surdas quanto à sua aplicabilidade e eficiência.

Assim, configura-se em uma pesquisa ação, na qual o pesquisador procura estar sempre próximo de seus participantes, visando uma interação dialética e dialógica com os mesmos, com o propósito de diagnosticar e fortalecer o processo de aprendizagem, na busca da melhoria no atendimento educacional especializado com a criança com surdez.

O instrumento avaliativo utilizado é composto por quatro etapas: O reconhecimento dos sinais (vogais; objetos animados; objetos inanimados); A compreensão dos sinais (expressão facial; consciência corporal; atenção, percepção e concentração); O uso dos sinais no contexto dialógico e Leitura e escrita. As atividades propostas são atrativas e tem um aspecto lúdico e criativo.

Ressalta-se que o lúdico para o aluno surdo é um trabalho muito envolvente e com isso ele faz mudanças no seu movimento, na sua linguagem, na visão que ele tem de espaço e tempo, ao organizar os seus pensamentos, ao construir e dar significado para tudo que o cerca.

Desenvolver o aspecto lúdico no atendimento de surdos facilita a aprendizagem, o desenvolvimento pessoal, linguístico, social e cultural, promovendo os processos de socialização, comunicação, expressão e construção do conhecimento. Enfim, desenvolve a criança surda num todo.

Porém, a busca por um trabalho realmente efetivo tem tomado como base, na maioria das vezes, o modelo clínico patológico, predominante na reabilitação de surdos, que está longe de se adequar às especificidades da criança surda (SACKS, 1989).

Acreditamos que a proposta bilíngue traz uma grande contribuição para o desenvolvimento da criança surda ao reconhecer a LIBRAS como uma língua, com todo o potencial expressivo de outra língua, seja oral ou gestual, e como instrumento de fortalecimento de estruturas linguísticas. O bilinguismo favorece o desenvolvimento cognitivo, alarga horizontes e amplia o pensamento criativo da criança surda.

Importante então é oferecer um acompanhamento que permita o desenvolvimento integral do indivíduo, de forma que desenvolva toda sua potencialidade. O desenvolvimento da linguagem de uma criança surda deve efetivar-se mediante o aprendizado da língua de sinais.

A abordagem adotada é predominantemente qualitativa, uma vez que refletirá a situação existente no momento da coleta de dados. A população alvo é composta de seis crianças surdas, com nível básico em língua de sinais -Libras, em acompanhamento no CREAECE.

O referencial teórico-metodológico delineado tomou por base a concepção dos teóricos Bakhtin e Vygotsky no que se refere à linguagem.

5 Resultados e discussão

A avaliação bilíngue, elaborada com base na linguagem imagética, tem, no signo visual o ponto forte no processo de ensino e aprendizagem e, um caráter lúdico e de fácil compreensão. Os resultados demonstraram que o instrumento avaliativo proposto possibilita a avaliação da competência linguística, e que as tarefas possuem diferentes níveis de complexidade. O conhecimento sobre o estágio de aquisição em que a criança se encontra e sobre a necessidade ou não de intervenção possibilita o estabelecimento de estratégias adequadas de mediação.

Além disso, possibilita ao profissional acompanhar a evolução da criança em aspectos do desenvolvimento linguístico e das estratégias terapêuticas utilizadas, pois, ao aplicar novamente o mesmo instrumento, é possível estabelecer comparações em relação ao desempenho, antes e depois da intervenção, verificando se houve evolução ou não, e se a estratégia utilizada foi efetiva. Entendemos que a competência linguística da criança surda em sua língua materna lhe proporciona motivos que desencadeiam aprendizagens que não se dissociam de suas características psicológicas e linguísticas; e que os recursos visuais que lhe são oferecidos servem para, além de fixar os conteúdos e os vocábulos novos, aumento do envolvimento com a língua oral.

Fernandes (2003, p.21), baseando-se em Vygotsky, traz considerações muito importantes em relação à importância da língua para os indivíduos de modo geral:

...a partir do momento em que a língua passa a fazer parte do universo linguístico de representações de um indivíduo (primeiros anos de vida), linguagem e pensamento interagem num processo de interpretação significativa de seu universo conceitual. O individuo passa a perceber o mundo usando a palavra como símbolo representativo desse universo e a língua passa a fazer parte intrínseca de seus mecanismos mentais.

Como já delineado, os sujeitos desta pesquisa foram crianças surdas profundas, em acompanhamento no período de agosto a dezembro de 2010. Os sujeitos procurados para a pesquisa foram aqueles que indicassem ter alguma influência da oralização na aquisição da linguagem (tendo como base suas histórias de vida, desde a infância) e em suas histórias educacionais. Do mesmo modo, buscou-se que os referidos sujeitos fossem usuários da língua de sinais.

5.1 Sobre os sujeitos dessa pesquisa

Os nomes verdadeiros dos participantes foram substituídos por nomes fictícios, a fim de preservar a identidade dos respectivos sujeitos: Cascão – aluno surdo, escola especial, Infantil V, 5 anos de idade; Cebolinha – aluno surdo incluído, matriculado na educação infantil; 5 anos de idade; Mônica – aluna surda, escola especial, 1º ano do ensino fundamental I, 6 anos; Magali – aluna surda incluída, 2º ano do ensino fundamental I, 7 anos de idade; Marina – aluna surda incluída, matriculada na educação infantil, 6 anos de idade; Denise – aluna surda matriculada no 1º ano do ensino fundamental I, escola especial, 6 anos.

5.2 Os caminhos desse percurso

Os alunos foram avaliados no início do segundo semestre do ano de 2010, através de uma triagem avaliativa após a realização da entrevista inicial (anamnese) com os pais/responsáveis.

Após a triagem foi realizado o encaminhamento dos mesmos ao acompanhamento educacional especializado que de início eram avaliados pelo instrumental bilíngue (instrumento da presente pesquisa).

As atividades eram propostas, uma a uma, a cada criança individualmente, seguindo as etapas propostas no instrumental.

Na primeira etapa: O reconhecimento dos sinais (vogais; objetos animados; objetos inanimados) as crianças eram convidadas a brincar com cartelas que continham as vogais escritas na língua portuguesa e no alfabeto manual, para realizarem a associação entre as duas línguas. Todas as crianças avaliadas conseguiram fazer a associação. Ao se colocar objetos em miniatura que começavam com as vogais (avião, escova, igreja, olho, unha) apenas Marina ficou confusa, fato que associamos ao seu segundo diagnóstico, o de deficiência intelectual. Depois foram mostradas cartelas com figuras com objetos animados e inanimados e cartelas que continham o sinal em Libras correspondente a esses objetos. Marina, Magali e Cebolinha realizaram a atividade pelo processo de tentativa e erro, enquanto os demais foram rápidos na associação.

Na segunda etapa: A compreensão dos sinais (expressão facial; consciência corporal; atenção, percepção e concentração), os alunos eram convidados a associar as expressões faciais e as partes do corpo ao sinal de Libras correspondente. Nessa etapa todas as crianças avaliadas apresentaram a correspondência correta. Para avaliar a atenção, percepção e concentração, utilizamos atividades dos setes erros, sequência lógica e de achar figuras.

Atividades lúdicas, prazerosas que foram bem aceitas pelas crianças avaliadas. Marina, apesar de levar mais tempo que as demais, conseguiu realizar parte das atividades.

Essas atividades trouxeram o discurso oral à tona. As crianças mais desinibidas oralizaram palavras isoladas, com algumas trocas fonêmicas. Porém o foco foi a estimulação da língua de sinais.

Na terceira etapa: Para o uso dos sinais no contexto dialógico utilizamos figuras de animais realizando o seu sinal correspondente (ex. o peixe fazendo o sinal em Libras de peixe) e figuras abstratas (uma casa, uma avó com os netos, um cachorro e um ônibus) e solicitamos que as crianças criassem histórias. As crianças descreviam as figuras em Libras e associavam a alguma experiência já vista ou vivida. Somente Marina não conseguiu narrar fatos.

Cebolinha e Magali produziam muitos sons e gestos aleatórios não associados à língua de sinais.

Por fim, na última etapa, leitura e escrita, utilizamos texto em Libras, texto em português com imagens substituindo as palavras e textos curtos em português com uma única imagem associativa. Cascão não conseguiu fazer a leitura em português e Magali, Cebolinha e Marina não conseguiram fazer as leituras em nenhuma das situações. As imagens que acompanhavam os textos com os quais os alunos tiveram contato, bem como as demais ilustrações, como as dos textos curtos, representam um conjunto de ícones que podiam subsidiar alguma “atribuição de sentidos e significados por parte dos surdos à escrita, e foram fundamentais para que pudessem, em primeiro lugar, compreender a função social da escrita que vinha acompanhada e, a partir disso, apreender as informações que eram veiculadas através dela” (MATOS, 2007, p. 138).

Conclusão

Nesta pesquisa são descritas a aplicação e a análise do instrumento de avaliação da linguagem em língua de sinais, assim como o desempenho dos indivíduos surdos nas avaliações. As atividades avaliativas são lúdicas, de fácil compreensão e por isso foram bem aceitas pelas crianças avaliadas durante a aplicação do instrumento de avaliação proposto.

Após a aplicação do instrumental constatou-se que o período de exposição linguística influenciou o desempenho das crianças surdas, ou seja, as crianças que são estimuladas desde cedo à língua de sinais, em escolas especiais, apresentam uma maturação cognitiva mais desenvolvida apesar de apresentarem desenvolvimento comunicativo em graus diferentes. Ao caracterizar o nível de competência linguística de cada aluno pudemos traçar ações pedagógicas específicas a cada um dos participantes, contribuindo para o desenvolvimento linguístico das crianças surdas e consequentemente uma melhora no desempenho da linguagem compreensiva e expressiva; além de observarmos que as crianças se apresentaram no decorrer das sessões, estavam mais motivadas para a estimulação da língua oral.

Quadros (1997), de acordo com a perspectiva gerativista, afirma que a língua de sinais seria uma expressão da capacidade natural para a linguagem, logo quanto mais cedo o acesso a língua de sinais, mediante a experiência linguística positiva, a aquisição da linguagem se dá de forma natural.

O que se pode concluir, entretanto, com base na discussão sistematizada neste trabalho, é que muito se tem a fazer para que o acompanhamento as crianças com surdez ofereça melhores condições de atendimento, pois se de fato defendemos uma proposta de reabilitação que valorize a comunicação visual e privilegie a construção do conhecimento pelo respeito à língua e as diferenças, é preciso que sejam produzidas propostas metodológicas condizentes a tais ideias.

Compreendemos que o caminho efetivo para o desenvolvimento da linguagem das pessoas com surdez é o de nos debruçarmos em pesquisas aplicadas voltadas para a problematização da linguagem em contextos reais de uso que nos levem a novas consciências e ações educativas, resultando na sistematização de mediações pedagógicas atreladas as perspectivas culturais e visuais em suas interfaces com a educação de crianças surdas.

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